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Sabor de acerola

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Hoje eu ri. Mas a noite não é minha. Foi dela. Quando a vi, meu corpo se inquietou. Teria tantas coisas para dizer a ela. A voz, no entanto, se embargou.  Sem solução, chupei acerola e procurei nas sementes um sabor para mim. 03.06.99

O primeiro gole

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“ Por que, meu Deus, eu tenho que sofrer tanto assim nessa vida? Fui um bom filho. Sempre cumpri com os afazeres que o meu pai mandava e minha mãe. Por que hoje passo por tanto aperto? Sou um homem já idoso. O cansaço tá comigo e não me larga. Não tenho prazer nenhum na vida. Será que tô pagando pelos meus pecados, sofrendo e gastando o resto dos meus dias num barquinho; pegando uma bobagem aqui outro ali, sol, chuva, chuva, sol pra vê se eu arrumo um bocado e uns trocados? Não tenho nenhuma aposentadura. Se não fosse a ajuda do Governo e dos meus filhos que faz um bico aqui outro ali o que seria de mim? O que ganhei nesta vida? Só doença. Só fiz trabalhar feito um condenado. Pra quê? Não sei mais olhar pra os meus filhos. Nunca dei nada a eles, além de sofrimento e apertos. A minha mulher anda me rejeitando. Só anda com a cara feia. Quando eu vou querer um negocinho com ela, ela me dá às costas. Será que ela tá me traindo?”.   Esses conflitos perturbavam Artur .

Foi só um olhar

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Tudo se iniciou no Bar da Galega. Cátia e Frederico escutavam sertanejo por lá. Riam, beijavam-se e bebiam. Sandro entrou, observou as pessoas, cumprimentou alguns conhecidos e olhou de soslaio para ela. Frederico não gostou do modo como eles se olharam. Amarrou a cara na mesa e bebia com ímpeto. Passados alguns minutos, ele chamou Cátia de safada, vagabunda e deu um tapa na face dela. Sandro, sem saber os motivos, foi desapartar a briga. Raivoso, Frederico o empurrou, acusando-o de f l ertar com a mulher dele. Sandro perguntou se ele estava louco, discutiram e os fregueses do bar desapartaram eles. Nisso, Cátia saiu em lágrimas. Inconformado, Frederico foi atrás dela, dizendo: — Prá onde você vai, sua cachorra. Quando chegar em casa, você me paga. Vagabunda. Só vive dando ousadia a todo mundo que ver pela frente. De hoje não passa. Você me paga. Ele conseguiu alcançá-la. Pegou-a pelos cabelos, deu-lhe umas bofetadas e saiu rua a cima. Tinha gente que fingia não ver, ou

Última dor da existência

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Ela estava sentada no batente da porta. Face voltada para a calçada e entre os dedos o cigarro. O cigarro, quando posto entre os lábios, estremecia. Nela havia solidão e o seu mundo estava desarranjado. A mente muitas coisas fazia, participava no cubículo do seu ser. Passavam-se as horas. Passavam pessoas. Só não passava aquela angústia, aquela dor, a última que alguém pode sentir nesta vida. Só o cricrilar fazia-se presente no fechar e abrir dos dias.

A minha gata

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Kika A minha gata vive atrás de mim, toda dengosa. Mas o dengo dela tem explicação: é a fome. A minha outra gata afirma que não é nada disso, mas amor. Acontece que a minha gata faminta quando está com o bucho cheio, me trai. Imagine: ser traído por um bucho cheio! E essa traição arranca risos da outra gata.

II Gerarte

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Gerarte - Maceió - AL A convite da professora Dilma Marinho de Carvalho, participei do II Gerarte ( Gera Arte: Literatura, Música e Teatro) na cidade de Maceió – Alagoas. O evento foi organizado pela Escola Estadual Geraldo Melo dos Santos. O tema do II Gerarte foi: Mestre Graça foi a praça.  O objetivo do evento é trazer temas do passado como a fome, a seca, a gravidez precoce, a violência e outros com a realidade dos alunos para que eles possam comparar épocas, refletir sobre elas e distinguir se houve mudanças relevantes. Pça. de Eventos O evento se início às 17:00 h e foi concluído às 10:00 h. Obras de Graciliano foram homenageadas e encenadas, mas outros autores foram lembrados, a exemplo de João Cabral de Melo Neto, José Américo de Almeida, Raquel de Queiroz etc. Poesias foram recitadas, músicas de Luiz Gonzaga cantadas por alunos... Segundo a professra Dilma, “o Gerarte surgiu depois de a escola passar por um período de violência, quando professores foram a

Na sala

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Estava na sala de espera. Pessoas viam, outras iam. Cada uma carregava em si ou na carne a sua história. As faces eram variadas, na variedade de cores que só os males imprimem no corpo. Aquele aspecto macambúzio me fez pensar na existência humana. O vento seco do ventilado batia na minha face, provocando a minha rinite. Uma música de súplica cristã invadia os meus tímpanos, transformando-me em um filósofo de chinelo de dedo.  Não demorou muito tempo aquele estado de filosofia barroca. Uma criança chorava, um idoso estava no corredor numa maca, um jovem  ensanguentado  passava desmaiado. Diante de tantas pessoas que buscavam para si ou para outrem alívio para suas dores, cura para seus males; entendi que o ser humano não passa de uma espécie atrasada e doente. Mas grave que isso era saber que boa parte dela cultiva sentimentos tolos e vis. Eu ficava na perspectiva de ser atendido, até porque o meu estômago dava os primeiros roncos de fome.  .