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1 de jan. de 2019

A entrevista


Eu toquei a campainha. Ninguém veio me atender. Então, notei que a porta estava entreaberta. Entrei silente, dei alguns passos e avistei o professor Lorenzo numa confortável poltrona. De face serena, degustava com ímpeto o cigarro e um livro. Nem se importava com a minha presença. Após alguns minutos, disse:
O que o traz aqui?
As suas teorias, professor.
O que quer saber?
Sua opinião sobre os últimos acontecimentos políticos?
Ora, os últimos acontecimentos políticos refletem uma sociedade que não sabe escolher. De uma população eleitoral dualista e doente.
O senhor poderia ser mais claro sobre o que seriam essas “escolhas ruins” e essa “população dualista e doente”?
É claro! A população eleitoral escolhe de forma ruim quando mercadeja o voto ou quando vota com raiva e por picuinha. Não leva em conta a vida pregressa dos candidatos, nem se dar conta que eles são empregados eletivos, inscritos na Previdência Social. É dualista porque exige ética, moral, justiça, combate a corrupção, mas compram objetos piratas, baixam músicas, filmes, livros, software protegidos por direitos autorais e não se incomodam com isso, valendo-se de vários pretextos para justificar as suas práticas ilícitas. Sem falar que no período eleitoral mercadejam o voto.
Nesse caso o eleitor brasileiro é um cidadão contraditório, que não aprendeu a exercer de forma adequada a cidadania. É isso que o senhor quer dizer?
Isso mesmo!
É necessário que essa população repense as suas práticas, seus conceitos e vícios. Entender uma coisa simples: eles não são eleitos por si, nem pelo poder que emana do povo. Eles são eleitos pelo poder econômico. Eles não representam ninguém e representam a si e os seus financiadores. Por isso, tantos escândalos. Por isso o impeachment e tudo o que ele representa.
Eles “não são eleitos por si”, mas “pelo poder econômico”. Quais os verdadeiros significados dessas frases?
Eles não são eleitos por si porque existem eleições a cada quatro anos. As “escolhas” são dos eleitores num suposto “poder” que vem do povo. O problema é que o voto da maioria não é coletivo, mas individualizado, mercadejado. Isso é demonstrado através do poder econômico onde o voto é simples mercadoria. Essa coisa de querer solucionar os problemas enxergando as tribunas, formular opiniões a partir de revistas, jornais tendenciosos, violência é um grave erro. O eleitor deve formular seus conceitos políticos observando o espaço onde ele vive e interage. Para isso é necessária uma reeducação política.
O senhor não acha que está trazendo a culpa e responsabilidade para a população eleitoral de todos os males que vêm acontecendo neste país, quando na verdade as classes dominantes sempre negaram aos cidadãos o direito a educação, a saúde e outros serviços públicos relevantes?
Esse argumento é válido em parte porque o voto é mercadejado em todas as classes, por diferentes níveis de escolaridade. Por exemplo: o que faz um estudante de direito fazer esquerdo, isto é, estampar, pedir voto para um candidato cuja vida política é fraudes e mais fraudes? Veja esses movimentos que se apresentam anticorrupção, mas dos outros.
Professor, sabemos que parte da população vive em condições precárias e, na maioria das vezes, torna-se o bode expiatório quando o mandato é ruim. Essa população precisa ser resgatada para que de fato, exerça a cidadania. Como resgatá-la politicamente?
Conhecendo-as, indo aonde elas estão. Ouvindo as suas angústias. Criando núcleos permanentes de reeducação política.
E como seria esses Núcleos de Reeducação Política?
Esses núcleos só seriam possíveis se houver um esforço gigantesco da sociedade civil organizada não alinhada ao pensamento neoliberal, criando práticas pedagógicas para reeducar as crianças a partir do ensino fundamental das escolas, sendo um contraponto aos vícios que elas trazem do seu convívio social.
Para concluir esta entrevista, o senhor tem algo para acrescentar?
Eu quero deixar claro o seguinte: eu não estou levantando um estandarte para as práticas ilícitas, mas questionar o eleitor que critica, cobra; depois barganha, depois reclama, depois compra produtos piratas, baixa filmes, músicas e pratica outras coisas ilícitas e percebe que eles são o espelho de quem os elege. Será que iremos justificar a prática da corrupção recorrendo a um discurso histórico que não mais convence? Ou a Freud, como tem gente apontando nessa direção?
E a minha contribuição para o combate efetivo da corrupção é a criação desses núcleos. É claro que o efeito não virá de um dia para a noite, mas trará resultados positivos. Acredito nas crianças e na capacidade de elas aprenderem que o voto é um bem intangível e por isso, não deve ser tratado como bem de consumo.
Me calei. Sem argumento, agradeci pela entrevista, estendi a mão para ele e fui com a certeza que aquele homem me fez repensar as minhas opiniões. E tem mais: não havia mácula na vida dele, nem era simpatizante de algum partido político.
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11 de mar. de 2017

A traíra grande

Antônio FJ Saracura


Era dia de pescaria na lagoa Saracura, da Terra Vermelha. As águas, finalmente, abaixaram, depois de três invernos fortes, chegando ao nível certo para uma pescaria de mão. A Saracura tinha suas águas cobertas de junco e por uma floresta de pés de cortiça. Qualquer pescaria dava muito trabalho, pois demandava a limpeza de trechos, sob pena de ninguém encontrar peixe nenhum, escondido nas raízes, troncos e ramagens, na água lamacenta. Mas numa situação como essa, de longa espera, com a perspectiva de muito peixe, sempre havia gente disposta a fazer a limpeza. Se bem que, nas pescarias, apenas a família tinha acesso à lagoa. Se fosse aberta, apareceria até gente das Candeias, da Onça e do Gado Bravo, povoados que nem eram mais de Itabaiana.
Os filhos do diabo ruivo, tio Ulisses, e de tia Iaiazinha, que morrera de parto há bem pouco tempo, ficaram a manhã inteira dentro da água, arrancando trechos de junco, matas de cortiça, preparando as cacimbas para a pescaria. E, enquanto limpavam, iam já pescando também.
A lagoa Saracura, quando estava cheia, ocupava áreas em três propriedades: em nosso sítio (chamado sítio Saracura), no sítio de Fausto de Seulia e no sítio de tio Ulisses, que depois foi vendido ao caraibeiro Manezinho de Rita, e hoje nem sei a quem pertence. Quando as águas abaixavam, a lagoa encolhia e se restringia apenas ao sítio Saracura, por ser uma depressão geográfica acentuada. As grandes traíras, os brilhantes jundiás e os encouraçados caborjes, todos estavam, agora, no nosso lado da lagoa. Os outros lados já haviam secado há dias. A colheita estava sendo no sítio Saracura, mas os peixes haviam sido criados também nos demais... nunca soube que os vizinhos tivessem exigido suas partes. Até esnobavam dizendo que nem gostavam de peixe.
Manoel, filho de Fausto de Seulia, era um caboclinho miúdo, feio que dava dó. Burlou a vigilância do pai, inimigo de papai a vida toda, e veio para o nosso lado. Era muito estranho ele estar ali naquele momento! Para ter benzido as cercas (eram duas cercas paralelas e juntas, uma feita por Fausto e outra por papai, em pirraça mútua), deveria ter um motivo forte, como a grande pescaria. E só se dispusera a vir porque talvez achasse, lá no seu íntimo, que os peixes da lagoa pertenciam também a seu pai, o que era verdade, pelo que eu disse acima.
E ele, Manoel, dentro da sua insignificância, assistia incógnito à azáfama dos pescadores — meus primos brancos — trazendo peixes pelas guelras e colocando-os em sacos e latas vazias de querosene Jacaré na beirada da lagoa. E depois, correndo de novo para água e retornando com mais e mais. Peixes eram zunidos da água e caiam na cama de junco seco, de onde alguém os recolhia e os guardava nas latas e nos sacos.
Manoel estava à margem, pertinho da água, observando a tudo, como hipnotizado. Ele queria uma traíra daquelas... Não por que achasse que tinha direito, mas porque gostaria de mostrá-la à mãe, dizendo que a pescara. Sentia, entretanto, que a lagoa era funda demais para ele. Poderia afogar-se. E permaneceu ali, ignorado por todos, vendo os pescadores encherem as vasilhas de peixes.
Algumas mulheres, meninos e pessoas de mais idade, à sombra de juremeiras, esperavam a vez de tratarem os peixes ou que se acabasse a lida, como se fossem a plateia da festa.
Uma traíra, a maior traíra da lagoa, de beiço virado, lombo preto de crocodilo, acossada talvez pelo entra e sai dos pescadores, voou para fora da água, ficando a se debater no junco seco, aos pés de Manoel. Surpreso, ele abriu a boca, sorriu, pisou com jeito no lombo grosso e abaixou-se. Desejava o peixe desde que iniciou a viagem solitária até a margem inimiga da lagoa, onde nunca estivera antes. Segurou-a firmemente pelas guelras e a levantou com suas mãozinhas, como se empunhando um troféu. Sentia-se premiado! Levaria para sua mãe, que certamente faria um pirão, e todos em casa comeriam fartamente.
Uma sombra densa cresceu atrás dele. Era Tino, o filho mais velho de tia Iaiazinha, que juntava os peixes que eram zunidos da água, querendo a traíra:
— Essa vai para a lata de Tio Zé! É a maior da lagoa. O dono do sítio tem todo o direito!
Manoel viu que perderia o que já tinha como seu. E começou a choramingar. Não iria mais para casa levando o troféu. O dono do sítio e da lagoa deveria realmente ter direitos especiais. Sentiu que não poderia evitar que Tino, um homem feito, sobrinho do dono da lagoa, lhe tomasse o peixe. Então chorou alto, gritando que o peixe era seu, pois pulara aos seus pés e fora ele quem o pegara.
Tino esticou o braço para tomar o peixe. E Manoel, mesmo o querendo muito para si, levantou suas mãozinhas para entregá-lo.
Papai, que estava perto e ouviu tudo, aproximou-se, demonstrando espanto:
— Quem pegou esse peixe tão grande?
E pousando a mão no ombrinho de Manoel, perguntou outra vez:
— Foi você, meu filho?
Tino tentava explicar que o peixe pulara da água, tangido talvez por algum dos pescadores. O moleque apenas se antecipara no trabalho de resgatá-lo.
Papai mandou Tino se calar e olhou para o pequeno Manoel, que continuava choramingando, ainda segurando (mas quase soltando) o grande peixe, e disse:
— O peixe é seu, Manoel. Eu vi tudo desde o começo. Pode levar para casa e dizer a sua mãe que foi você quem pegou.
Manoel olhou agradecido para papai e saiu correndo, com os passinhos miúdos, prejudicados por ter as mãos ocupadas, fazendo o mesmo caminho da vinda, contornando as águas da lagoa, que continuaram sendo coadas, na maior algazarra.
XXX
Sessenta anos depois, eu ia passando pelo mercado Thales Ferraz, em Aracaju, como faço quase toda semana. Ia comprar um quilo de castanha na banca de meu primo Narciso, filho de uma tia de mamãe, chamada Lozinha, do outro ramo da família, os Ferreiros da Matapoã. E, passando pela grade de farinha de Manoel de Fausto, hoje um homem idoso como eu, vi-o cochilando sobre a sacaria, escornado, roncando. Ainda bem que era uma hora morta, perto das duas da tarde, e sem fregueses.
Nunca tive muita ligação com os filhos de Fausto de Seulia (o inimigo de meu pai no povoado), mas Manoel sempre me tratou bem, sempre retribuiu minha frieza com uma incoerente alegria.
Fiquei olhando-o um tempo, assim dormindo, e fui tentado a mexer com esse simpático semidesconhecido. Joguei-lhe, compassadamente, de seus próprios sacos, caroços de milho, que o atingiram no peito desnudo, ricocheteando e escorregando para o seu colo. Daí a pouco, ele acordou e, ao me ver ali parado, abriu um largo sorriso. Levantou-se do leito improvisado e veio apertar minha mão, que nem lhe havia estendido ainda. Resolvi, então, fazer-lhe a pergunta que, secretamente, carreguei sempre comigo:
— Manoel, por que você demonstra tanta alegria quando me encontra? Eu mereço? Agora mesmo, em vez de um esbregue, recebo um cumprimento afetuoso!
Ao que ele respondeu contando a história da traíra, a que narrei acima. E acrescentou:
— Nunca esqueci o gesto de seu pai naquele dia, ou melhor, tenho seu pai e os Saracuras no meu coração. Nada marcou tanto a minha vida como aquela traíra, que é o peixe que mais gosto. No coco me dá mais prazer do que quebrar caranguejo na Atalaia ou chupar picolé de mangaba da Cinelândia... E continuou:
— Sempre tive vontade de contar a um de vocês essa história, mas nunca me deram oportunidade. Foi a primeira vez que um Saracura jogou-me carocinhos de milho...
Xxx
Os outros vendedores de cereais do grande mercado olhavam intrigados aqueles dois sexagenários abraçados ao pé de uma fileira de sacos abertos.

Sobre o autor
Nasceu no povoado Terra Vermelha, Itabaiana, em 06.07.1945, filho dos agricultores José Francisco de Jesus e Josefa Oliveira de Jesus. Começou os estudos nas escolas de dona Zinha (Terra Vermelha) e de Bernardete de Dona (Cajueiro). Concluiu o primário e fez o ginasial no Seminário e Colégio Diocesano de Aracaju. Fez o Científico no Atheneu Sergipense. Fez o curso superior na faculdade de Economia da UFS, Ciências Econômicas, formado em 1971.



Tem cursos de especialização na IBM, Abc-bull e várias entidades de ensino do País. Tem Pós graduação na Universidade do Distrito Federal, na Cândido Mendes, na UNIT, em Sistema de informação e Gestão de Imóveis.



Além de agricultor (na infância) e Analista de Sistemas (Petrobrás, Rhodia Química e Telergipe), exerceu outras atividades em sua vida profissional, que ainda continua efervescente: Repórter, Redator e Apresentador (jornal “A Cruzada” e Rádio Cultura de Sergipe), Serviços Gerais (Paes Mendonça), Auxiliar de Escritório, Programador de Computador, Analista de suporte técnico, Gerente de Informática, Corretor de Imóveis, Gestor de Imóveis e, atualmente, escritor e jornalista.



Publicou o livro “Os Tabaréus do Sítio Saracura”, em 2008, agora na quarta edição, restabelecendo os vínculos partidos com a atividade literária e com o sítio rústico onde nasceu.
Publicou depois: “Meninos que não Queriam ser Padres”, (em 20111, romance, na segunda edição), “Minha Querida Aracaju Aflita” (2011, crônicas premiado pela Secretaria de Cultura de Sergipe), “Tambores da Terra Vermelha” (contos,2013), “Os Ferreiros” (contos, 2015), além de uma dezena de cordéis. 
É membro da Academia Itabaianense de Letras (vice-presidente), do Instituto Histórico e Geográfico de Sergipe, da Associação Sergipana de Imprensa, e da Academia Sergipana de Letras (Cadeira número 10),



É casado com Josefa Iracilda Pinheiro de Jesus, tem três filhos e três netos.




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29 de mar. de 2015

Para que tantos filhos?

Os filhos, os muitos que tivera e criara não lhe fazia uma visita, não davam um telefonema, nem um cartão para o vizinho ler para ele. Isso dilacerava o peito dele, largando-o ao abandono e a depressão. Sentado à mesa com a face entre as mãos, sentia as lágrimas rolaram; seguidas de um único soluço.
Muitos eram os pensamentos. Bastante as angústias. Turbado, indagava a si: “Onde foi, meu Deus, que errei? Que pecados cometi para ser castigado desse jeito? Se não fosse o meu vizinho, o que seria de mim? Para que tantos filhos?”
Essas indagações rondavam a cabeça dele e elas mexiam, remexiam o desgosto no mais profundo do peito. Para ele, não havia sentido algum viver.
No outro dia, o vizinho não o viu na cadeira, como era de costume. Mas achou que ele poderia estar dentro de casa, fazendo alguma coisa. A mesma cena se repetiu no dia seguinte. Desconfiado, chamou o filho e pediu que fosse ver se estava tudo bem com Pedro.
Sem retrucar, atendeu num instante o pedido do pai. Ao adentrou na casa de Pedro, não o viu na sala. Foi à cozinha e ele não estava. Ao ir ao escritório, avistou o corpo dele tombado.
Tirou o celular do bolso às pressas, discou 192. Enquanto a ambulância não vinha, percebeu que havia uma carta em uma das mãos. Nela, estava escrito: “Aquele que me encontrar, entregue esta carta a um dos meus filhos. Obrigado”.
Os filhos, quando souberam de sua morte, pediram que o vizinho tomasse conta do defunto. Dos seis, somente a mais velha apareceu. Em nome dos demais, agradeceu, pegou a carta deixada pelo defunto e nem deu importância ao que estava escrito. Estava de olho era nos bens do finado.
Só que ela foi surpreendida. O finado só havia deixado metade do que lhe pertencia e de menor valor. A outra foi destinada para instituições e o vizinho que cuidara dele, sem nunca o explorar, sem nunca pensar em seus bens.

Não demorou muito para ela riscar o carro na porta de Fernando, fez aquele escarcéu e saiu queimando pneu, dizendo impropérios, maldizendo céus e terra; jurando que iria metê-lo na cadeia por se aproveitar de um idoso.
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13 de mar. de 2015

Pra que serve trabalhar tanto nesta vida


Vida ou Morte?
A cadeira rangia. Ela reclamava por conserto, deixando ele incomodado e mal-humorado. Dela, ouvia-se o último coaxar dos sapos vindos do quintal que dava numa lagoa.
Nisso, lembrou-se daquela criança que viveu vida dura nos canteiros, nos lotes de arroz e na pescaria. Percebeu que a sua migração para a cidade frustrou suas perspectivas de uma vida melhor.
Com a cabeça cheia, precisar sair. Ficar em casa só seria receber cobranças da mulher e dos fiadores. E para isso, ele não estava pronto.
Na rua, andava sem rumo; até se debruçar no cais de arrimo e dele observar um pé-de-matafome cheio de vagens verdes e avermelhadas pronto para pardais vindos de todas as partes.
Mas foi uma criança, às margens do rio, descalça, de short azul e sem camisa que chamou a sua atenção. Ela levava no ombro um jereré para pescar saburica em meio ao lodo, dejetos humanos, bolsas plásticas, garrafas descartáveis presas às orelhas-de-burro e caramujos em abundância nas partes rasas do Rio.
Aquela criança o fez lembrar de muitas coisas e pensar em outras que ele não desejaria. Saiu revoltado, foi ao bar de Lió, arrumou confusão por lá e voltou para casa, deitando-se no sofá.
No outro dia se levantou cedinho para pescar.
Ao retornar da pescaria, encontrou Alberto de cócoras jogando pedrinhas às margens do rio. Ancorou a canoa, aproximou-se dele, tocou-lhe o ombro e disse.
Algum problema, meu amigo? Tá todo desconsolado. O que foi?
Meu pai morreu!
Ô rapaz, que coisa. Meus sentimentos!
Essas foram as únicas palavras proferidas entre eles. E logo percebeu que o amigo precisava ficar só. Deu até logo e se foi carregando seus objetos de pesca. Na ida, enquanto subia os degraus do cais de arrimo, pensava na morte. Pensava porque sentia cansaço no corpo e na alma.
Ao chegou na porta de casa. Barão o recebeu com alegria pulando sobre ele. Artur simplesmente passou a mão sobre a cabeça dele e o acariciou. Entrou em casa.
No sofá, o filho do meio, pálido, não atentou para a chegada do pai. Estava entretido com uma revista. Não era só a revista que o entretinha; era a indiferença. Artur pôs o leme no quintal, jogou o saco que estava dentro do balaio no canto da parede e foi direto ao banheiro.
Enquanto a água fria tomava a forma do seu corpo, ele pensava na face de Alberto. Nunca vira o amigo tão abatido. A única coisa que podia fazer naquele momento era apoiá-lo. Vestiu-se, penteou o cabelo. Quando colocou os pés fora do batente, sua mulher o interpelou:
Já vai sair? Mal chegou da pescaria e já vai pra rua?
O pai de Alberto faleceu. Você não sabia?
Não, não tava sabendo, respondeu ela descabriada.
Ele tá lá na beira do Rio todo desconsolado. Vou lá dar uma mãozinha pra ele. Não sei que horas voltarei. E pare com essa mania de me censurar.
Ela calada estava, calada permaneceu; voltando-se para seus afazeres.
Alberto, com os olhos lagrimejantes, notou Artur se aproximar. Depois, lhe disse:
Prá que serve trabalhar tanto nesta vida. T’aí, meu pai; morreu e a gente nem o caixão tem pra enterrar ele. Eu e meus irmãos temos que pedir prós políticos, ficar devendo favor prá esse povo que só faz isso atrás do voto.
Sem ter o que dizer, Artur permaneceu ao lado do amigo silente, contemplando as águas serenas do Chico enquanto este se esvaziava. Ao perceber a fragilidade dele, pensava na maldade do mundo, sem compreender como alguém é capaz de se aproveitar de uma situação dolorosa como essa.
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