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A entrevista

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Eu toquei a campainha. Ninguém veio me atender. Então, notei que a porta estava entreaberta. Entrei silente, dei alguns passos e avistei o professor Lorenzo numa confortável poltrona. De face serena, degustava com ímpeto o cigarro e um livro. Nem se importava com a minha presença. Após alguns minutos, disse: — O que o traz aqui? — As suas teorias, professor. — O que quer saber? — Sua opinião sobre o s últimos acontecimentos políticos? — Ora, os últimos acontecimentos políticos refletem uma sociedade que não sabe escolher. De uma população eleitoral dualista e doente. — O senhor poderia ser mais claro sobre o que seriam essas “escolhas ruins” e essa “população dualista e doente”? — É claro! A população eleitoral escolhe de forma ruim quando mercadeja o voto ou quando vota com raiva e por picuinha. Não leva em conta a vida pregressa dos candidatos, nem se dar conta que eles são empregados eletivos, inscritos na Previdência Social. É dualista porque exige é

A traíra grande

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Antônio FJ Saracura Era dia de pescaria na lagoa Saracura, da Terra Vermelha. As águas, finalmente, abaixaram, depois de três invernos fortes, chegando ao nível certo para uma pescaria de mão. A Saracura tinha suas águas cobertas de junco e por uma floresta de pés de cortiça. Qualquer pescaria dava muito trabalho, pois demandava a limpeza de trechos, sob pena de ninguém encontrar peixe nenhum, escondido nas raízes, troncos e ramagens, na água lamacenta. Mas numa situação como essa, de longa espera, com a perspectiva de muito peixe, sempre havia gente disposta a fazer a limpeza. Se bem que, nas pescarias, apenas a família tinha acesso à lagoa. Se fosse aberta, apareceria até gente das Candeias, da Onça e do Gado Bravo, povoados que nem eram mais de Itabaiana. Os filhos do diabo ruivo, tio Ulisses, e de tia Iaiazinha, que morrera de parto há bem pouco tempo, ficaram a manhã inteira dentro da água, arrancando trechos de junco, matas de cortiça, preparando as cacimbas para a pes

Para que tantos filhos?

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Os filhos, os muitos que tivera e criara não lhe fazia uma visita, não davam um telefonema, nem um cartão para o vizinho ler para ele. Isso dilacerava o peito dele, largando-o ao abandono e a depressão. Sentado à mesa com a face entre as mãos, sentia as lágrimas rolaram; seguidas de um único soluço. Muitos eram os pensamentos. Bastante as angústias. Turbado, indagava a si: “Onde foi, meu Deus, que errei? Que pecados cometi para ser castigado desse jeito? Se não fosse o meu vizinho, o que seria de mim? Para que tantos filhos?” Essas indagações rondavam a cabeça dele e elas mexiam, remexiam o desgosto no mais profundo do peito. Para ele, não havia sentido algum viver. No outro dia, o vizinho não o viu na cadeira, como era de costume. Mas achou que ele poderia estar dentro de casa, fazendo alguma coisa. A mesma cena se repetiu no dia seguinte. Desconfiado, chamou o filho e pediu que fosse ver se estava tudo bem com Pedro. Sem retrucar, atendeu num instante o pedido do pai. Ao

Pra que serve trabalhar tanto nesta vida

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Vida ou Morte? A cadeira rangia. Ela reclama va por conserto, deixando ele incomodado e mal-humorado. Dela, ouvia-se o último coaxar dos sapos vindos do quintal que dava numa lagoa. Nisso, lembrou-se da quela criança que viveu vida dura nos canteiros, nos lotes de arroz e na pescaria. Percebeu que a sua migração para a cidade frustrou suas perspectivas de uma vida melhor. Com a cabeça cheia, precisar sai r . Ficar em casa só seria receber cobranças da mulher e dos fiadores. E para isso, ele não estava pronto. Na rua, a ndava sem rumo; até se debruça r no cais de arrimo e dele observar um pé-de-matafome cheio de vagens verdes e avermelhadas pronto para pardais vindos de todas as partes. Mas foi uma criança, às margens do rio, descalça, de short azul e sem camisa que chamou a sua atenção. Ela levava no ombro um jereré para pescar saburica em meio ao lodo, dejetos humanos, bolsas plásticas, garrafas descartáveis presas às orelhas-de-burro e caramujos em abundânci