27 de fev. de 2017

Sistema de cumplicidade

Desde jovem, ouço críticas ácidas sobre os políticos. Essas críticas, com o passar dos anos, suscitou sentimentos de aversão e até ódio sobre aqueles que praticavam e viviam na política. Elas viam de cima para baixo e como a maioria dos brasileiros, estava cansado, revoltado e com sede de justiça.
Eu fui um jovem que sempre busquei compreender as coisas e Sofia me ajudou bastante nisso. Então, me debrucei sobre os livros. Queria respostas para as minhas dúvidas, os meus sentimentos; mas eles não me satisfizeram. Era preciso participar da política para saber como ela funcionava. E compreender, principalmente, por que políticos com vida pregressa maculada se perpetuam no poder
Nessa busca, compreendi que o nosso sistema político é um sistema de cumplicidade. É cúmplice o eleitor quando mercadeja o voto. É cúmplice o político quando aceita essa condição ou a impõe. O voto, nesse sistema, não cumpre sua função social, não elege políticos. Não passa de uma simples mercadoria. Nele, não dar para indigitar culpados, nem inocentes se levarmos em conta o modo como foram educados, a origem de cada um.
No cotidiano politico, defino esse sistema de comércio eleitoral, que nada mais é que mercadejar o voto. Pouco se fala nele, seja por ignorância ou má-fé. Ele pode ser dividido em compra e venda de voto; favores e financiamento. A sua prática é comum e visível em todos os municípios deste país. O Congresso é apenas a dimensão de tudo isso em situações muito mais complexas.
O sistema é péssimo, pois, abriu e abre espaço para que todo tipo de gente chegue ao poder. Ele facilita e pari a corrupção. Nesse sistema, o político acusa o eleitor de vender o voto e o eleitor acusa o político de não fazer nada por ele. E nisso, nosso país vive procriando políticos de toda espécie. Exemplo disso é o que estamos vivenciando em nossos dias.
Sei que, enquanto só se apontam os erros das tribunas e não se buscam mecanismos efetivos que sirvam de contraponto na reeducação política de nossas crianças, é tolo quem acredita em mudanças significantes nesta república ou que operações como a Lava Jato passará o país a limpo. Tudo bobagem! Tudo engodo!
É preciso entender uma coisa: políticos não são eleitos por si. É isso que se deve discutir. É isso que crianças, adolescentes e jovens devem compreender. Sem essa compreensão, o sistema permanecerá como se acha, camuflando-se de democracia.
Em vez de empaturrarem as redes de picuinhas, links e discursos fascistas ou se tornando papagaios midiáticos para descriminalizar a política e demonizar pessoas, deveriam abrir espaço para a discussão do sistema de cumplicidade. É ele que precisa ser combatido com veemência. No dia que a sociedade passar a discuti-lo e criar mecanismos de enfrentamento contra esse sistema, muita coisa mudará neste país.
Por falta dessa discussão, o que se ver é o saudosismo militar, a extrema direita tomando folego, os partidos atolados em escândalos, os movimentos sociais lutando para que as conquistas sociais não sejam retiradas. Mas nenhum desses discutem o sistema de cumplicidade, não propõe o combate a corrupção de base, matriz de todas as outras corrupções. Preferem a passividade. Preferem ser ventríloquo, preferem enxergar a corrupção do outro. Ilude-se quem acha que o problema da corrupção do nosso país seja exclusivo de políticos ou de partidos.
E concluo com esta questão: se os candidatos, que não são eleitos por si, fossem eleitos sem a prática do comércio eleitoral, a maioria dos nossos políticos seriam honestos e qualificados? Acredito que sim.
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26 de fev. de 2017

O curioso abaporu


Essa estranha figura é o Abaporu, o mais importante quadro já produzido no Brasil. Tarsila do Amaral pintou-o como presente de aniversário a Oswald de Andrade, seu marido na época. Quando ele viu a tela, assustou-se e chamou o amigo Raul Bopp para tentar decifrá-la. Intrigados, concordaram em que representava algo excepcional. Tarsila, apelando para os rudimentos de tupi-guarani que conhecia, batizou-a de abaporu - aba, "homem", "índio"; poru, "homem comedor de carne humana", "antropófago", "canibal".

O quadro inspirou a criativa cabeça de Oswald. levando-o a escrever seu "Manifesto Antropofágico", berço de um movimento que, segundo ele, "deglutiria" a cultura europeia, transformando-a em algo bem brasileiro. Embora radical, a nova corrente teve sua importância pelo que representava em termos de exacerbado nacionalismo. A tela é, até hoje, a mais cara já vendida no Brasil (US$ 1,5 milhão), e foi comprada por um colecionador argentino.

Mas qual o significado do quadro? Difícil dizer, mas na opinião de certos círculos, o homem avantajado com a cabeça pequena seria o brasileiro desmiolado. Quanto as pés e às mãos, enormes, era como Tarsila via em nosso povo sofridos trabalhadores. O simbolizaria a penosa rotina do homem do campo, dando duro debaixo de sol inclemente (grifo meu). Ainda hoje a polêmica obra tem avivado acaloradas discussões.

Língua Portuguesa. Ano 4 - Número 59 - setembro de 2010. p. 64
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