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17 de abr. de 2022

O Jesuíta de Possível Origem Negra Que Defendia a Escravidão Africana

Pe. Antônio Vieira

(…) Vieira chegou ao Brasil em 1614, aos 6 anos. Seu pai conseguira um emprego como escrivão na capital da Colônia, Salvador. Ao lado de Pernambuco, a capitania onde o menino cresceu era a mais rica (em 1612, havia cinquenta engenhos de cana-de-açúcar). Para manter essa economia funcionando, Portugal escravizava mão de obra africana. De acordo com o historiador Stuart Schwartz, entre 1595 e 1840, 147 mil negros africanos foram trazidos ao Brasil para trabalhar na lavoura. Só na Bahia, na década de 1620, entravam cerca de 2.500 a 3 mil escravos por ano.

Durante a infância e adolescência de Vieira, a escravidão africana serviu para Portugal manter o desenvolvimento econômico e explorar novas terras. Foi também um período em que a igreja se banhava em filosofias medievais para defender que, do ponto de vista de Deus, não havia pecado algum na escravização; pelo contrário, a prática era necessária para os negros encontrarem o caminho dos céus.

Para a igreja, o regime escravocrata era fundamental à manutenção da ordem do mundo. São Tomás de Aquino, inspirado em Aristóteles, resumiu tudo na máxima de que uns nascem para mandar e outros para obedecer. Era com base nessa filosofia que a Companhia de Jesus justificava a prática. Para os negros, a situação piorou quando, no século XVI, difundiu-se a tese de que os africanos eram descendentes de Cam, o filho amaldiçoado de Noé, e que estavam condenados ao cativeiro. A escravidão, portanto, era o caminho para suas almas serem perdoados.

Educado conforme os preceitos dessa época, padre Antônio Vieira acabou incorporando esse pensamento em sua fala e textos literários. Em 1633, o religioso recebeu o bizarro convite para pregar um sermão para os negros. Sua missão era convencê-los, em uma espécie de catequese, da importância de eles serem escravizados e de como essa condição os ajudaria na salvação de suas almas. Vieira, que estudara os textos da Companhia de Jesus de ponta a ponta, escreveu os sermões para os africanos baseados na ideia da suposta ascendência maldita. Disse-lhes que, para se livrarem do pecado de serem da estirpe de Cam e alcançarem a redenção, deveriam aceitar a cruz cristã, trabalhar na senzala e não se rebelar. Vainfas explica que pouco se sabe sobre as circunstâncias do episódio, embora afirme que a prática foi apoiada pelo Estado e pela Igreja e, provavelmente, dirigida a africanos que já entendiam o português.

Consciente ou não, Vieira passava adiante não apenas um texto religioso e literário, mas um discurso político favorável à manutenção das estruturas sociais da época. Ao fazer isso, o jesuíta demonstrava conivência com a exploração dos negros. E parecia se esquecer de condenava justamente aqueles que saíram do mesmo continente de onde, talvez, tenham vindo seus antepassados; de que o sangue que corria nas veias daqueles negros talvez fosse o mesmo que corria nas suas; de que, no topo de sua árvore genealógica, também poderia estar Cam, o filho amaldiçoado de Noé.


VERRUMO, Marcel. História Bizarra da Literatura Brasileira. São Paulo: Planeta, 2017. pp. 51 a 53.

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29 de ago. de 2018

Jurupari ou Tupã?


Jurupari, o senhor do culto mais vasto, comum a todas as tribos, filho e embaixador do Sol, nascido de mulher sem contato masculino, reformador, de rito exigente e de precauções misteriosas, foi depressa identificado como sendo o Diabo. Cinquenta anos de catequese espalharam para Jurupari o renome satânico.  Além das crianças ensinadas das escolas, os catecúmenos, os índios de serviço, a população europeia, acordes em ver no velho deus indiano uma grandeza infernal, a multidão dos mestiços, mamelucos, curibocas, massa plástica, sugestionável e de imaginação ampla, divulgou o novo papel de Jurupari. No século XVII já o Filho do Sol, o Dona dos Instrumentos, o Senhor dos Segredos, evocado ao som dos maracás simbólicos, era, da cabeça aos pés e definitivamente, o Diabo, o Cão, o Belzebu, o Satanás, o Demônio.

Achado o inimigo, faltava o aliado. Ao mesmo tempo que o combate se dava aos seguidores de Jurupari surgia um trabalho intenso e admirável para assimilação de um deus ameraba nas condições de corresponder a noção católica do Deus-Pai, o Iavé dos hebreus. Era preciso encontrar na teogonia ameríndia um ser incolor, sem cultos e ritos que o tivessem comprometido às exigências teológicas, sem fazer mal nem bem, infixável, informe, nebuloso, ignorado em sua doutrina, um legítimo “Deus Desconhecido” dos gregos na decadência, esperando, nas alturas do infinito, a voz de São Paulo para defini-lo e dizer-se embaixador de seu nome.

Os jesuítas da catequese, todos os elementos religiosos do Brasil colonial, localizaram esse Ser providencial para que o indígena o amasse e não fosse obrigado a adorar um deus alienígena, em Tupi. Para o índio, Tupã começou a ter culto prestigiado pela força dos brancos enquanto Jurupari era perseguido por todos os meios e maneiras. O Pajé recuava batido e com ele a crença se dissolvia no âmago das matas para conservar-se, até hoje, atestando sua espantosa vitalidade espiritual. Tupã fez parte de todas as orações e aulas. O padre Manuel da Nobrega, Anchieta, Aspilcueta Navarro, Abbville, Thevet, d’Evreux compõem versos, catecismo, peças dramáticas, hinos, em louvor exclusivo de Tupã, Deus verdadeiro, aparecido para contrapor-se ao falso Jurupari dos infernos e salvar as almas para a eternidade paradisíaca.

Como compreendia o indígena a Tupã, e como este se tornou Deus-Pai dos cristãos? A impressão que me ficou de todas as leituras feitas nos documentos dos séculos XVI e XVII, lendas e tradições indígenas, vocabulários e relatórios, é que Tupã é unicamente um trabalho de adaptação da catequese. O Deus cristão tomou a forma ou melhor, deu a forma a uma entidade que nunca possuíra significação religiosa para nenhuma tribo do Brasil.

(...)

O grande deus popular, deus intermediário, para os índios do Brasil era Jurupari que foi crismado em Diabo, o Princípio do Mal. Tupã é uma criação erudita, europeia, branca, artificial. Seu culto foi dirigido pelos padres da catequese. É o Princípio do Bem. Nada mais lógico que essa tática dos jesuítas, por todos os títulos admiráveis, em frente ao absorvedor prestígio de Jurupari.
Tupã, deus que fala pelos trovões e vê pelo caracol dos relâmpagos e raios, é tão literário como o Júpiter-tonante, acastelador de nuvens e marido de Juno.

(...)

Era Tupã o que os folcloristas ingleses chamam Nature God, personificação abstrata de forças cósmicas, com atuação meteórica, sem interferência na vida sublunar. Pertencia à fase inicial das religiões. Era um elemento que Durkheim dizia préanimiste. Lévi-Bruhl escreve que, nas sociedades primitivas, todas as funções de relação são funções de presença de seres sobrenaturais. E como toda participação tende a ser representada nos fenômenos meteorológicos, que deviam impressionar maiormente aos indígenas, era natural que certos seres fossem apontados como dirigindo o trovão, o raio, o relâmpago e a chuva (...).

CASCUDO, Luís da Câmara. Geografia dos Mitos Brasileiros. 2ª ed. São Paulo: Global, 2002. pp. 58-60.

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13 de jun. de 2017

Não sei o que fazer do que vivi

Clarice Lispector
"Estou procurando, estou procurando. Estou tentando entender. Tentando dar a alguém o que vivi e não sei a quem, mas não quero ficar com o que vivi. Não sei o que fazer do que vivi, tenho medo dessa desorganização profunda. Não confio no que me aconteceu. Aconteceu-me alguma coisa que eu, pelo fato de não saber como viver, vivi uma outra? A isso quereria chamar desorganização, e teria a segurança de me aventurar, porque saberia depois para onde voltar: para a organização anterior. A isso prefiro chamar desorganização pois não quero me confirmar no que vivi - na confirmação de mim eu perderia o mundo como eu o tinha, e sei que não tenho capacidade para outro". 

Lispctor, Clarice. Paixão Segundo G.H, Record.
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28 de jul. de 2015

Pessoa de estimação

Lilu
Tá vendo este carinha. Ele se chama Lilu. Dizem que ele é um poodle. Outros, não. Isso não importa. O que importa é que ele não gosta de me ver tanto tempo no ultra

Ele salta em cima de mim. Eu olho para ele. Ele me olha. "Tá na hora da brincadeira e do passeio por um terço do quarteirão". 

Ele não abre mão disso de jeito nenhum. O jeito é deixar o que estou fazendo, correr de um lado para outro em sua companhia.

Em seguida, vem a calmaria. Lilu se esparrama no chão e dorme aos meus pés. 
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13 de mar. de 2014

Na sala

Estava na sala de espera. Pessoas viam, outras iam. Cada uma carregava em si ou na carne a sua história. As faces eram variadas, na variedade de cores que só os males imprimem no corpo. Aquele aspecto macambúzio me fez pensar na existência humana.

O vento seco do ventilado batia na minha face, provocando a minha rinite. Uma música de súplica cristã invadia os meus tímpanos, transformando-me em um filósofo de chinelo de dedo.  Não demorou muito tempo aquele estado de filosofia barroca. Uma criança chorava, um idoso estava no corredor numa maca, um jovem ensanguentado passava desmaiado.

Diante de tantas pessoas que buscavam para si ou para outrem alívio para suas dores, cura para seus males; entendi que o ser humano não passa de uma espécie atrasada e doente. Mas grave que isso era saber que boa parte dela cultiva sentimentos tolos e vis.

Eu ficava na perspectiva de ser atendido, até porque o meu estômago dava os primeiros roncos de fome. 
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29 de ago. de 2013

Sobre letras e números


Quando observo as letras pulando e os números brincado de cirandinha nas páginas alvas do céu, sei que defini a minha crença. Ora, os números e as letras tem ocultas em si a liberdade que não é para os que são levados por qualquer ideia.

03.06.99
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13 de abr. de 2013

Sobre a inspiração


Há quem fale de forma romântica sobre a inspiração. O que, de fato, é inspiração? Inspiração é a materialização de leituras anteriores.
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1 de mar. de 2013

Sobre os presentes

Dê a seu filho um livro como se dá um bombom, um brinquedo, a camisa do time preferido, o abraço, o afago. Permita a ele (a) o mundo das palavras e do conhecimento. 
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12 de set. de 2012

Sobre os mais fortes



A lagartixa branca corre, corre. Corre na parede branca a lagartixa atrás da borboleta. A borboleta voa, voa e pousa perto da lagartixa.
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15 de ago. de 2012

Sobre a amizade

Se um amigo (a) brigar com você por causa de preferência política, na verdade ele (a) nunca foi seu amigo (a).
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19 de jul. de 2012

Sobre o mundo

O mundo não vai se adequar a você. Você é quem deve se adequar a ele.
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4 de jul. de 2012

Sobre a contrariedade

"A contrariedade é pior que doença. A doença a gente toma remédio e sente-se melhor. A contrariedade consome a gente por dentro".

Josefa Ribeiro, 65 anos, paciente.
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Sobre a verdade

A verdade é individualizada e se estende a um grupo de pessoas que tem afinidades. Por isso, a verdade de um procura sobrepor a do outro; dando origem aos conflitos.

Aju, 27/06/2012.
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25 de fev. de 2011

A besta

A vida nada mais é do que uma coisa bestializada, onde tudo se resume em cansaço e vaidade. Tudo que buscamos, tudo o que adquirimos se resume na velhice e na dor.

Quantas e quantas são as pessoas que possuem vários bens, poder, luxo diverso, se vangloriam disso e em suas casas não há almas para habitar. O que existem são almas escuras pela dor e pelo sofrimento. Tudo o que a gente constrói é simplesmente para nos livrar do tédio da existência.

Há momentos que paro e noto a coisa besta diante de mim, diante das minhas retinas fatigadas: a besta humana, estúpida, inacabada. A besta que acha que é inteligente, que cria a fome, a bomba, às injustiças, a violência, as desigualdades sociais, os transtornos diversos da vida.

Toda essa bestialização se intensifica a cada dia, a cada instante na busca feroz pelo poder, na busca desenfreada pelo dinheiro; originando todo tipo de sentimento ruim: o egoísmo, a maldade, a intolerância, a incompreensão...

Mesmo diante de tantos erros, transtornos que uns causam aos outros, o homem continua sua jornada de bestialização.

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15 de nov. de 2010

Sobre a esperança

A esperança pousou sobre mim. Espiei prá cara dela e ela prá minha. Presa no útero estava, sufocada. Depois voou e pariu momentos de alegria.
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17 de out. de 2010

Poeira

A poeira vem vindo, pegando no meu rosto e se tornando um lodo incorrigível. A poeira que cerca os meus pés suados, subindo devagar por meus corações. A poeira que o vento leva nas ruas, junta as folhas…
II
A poeira na face púbere, mal saída da face. A pele guardando-a para uma noite de suor, no meio da noite, entre papelão. A poeira que esconde o sexo e que o expõe escancaradamente na imprensa. Os pelos pubianos, cheios, macios dela.
III
O corpo, meu sem jeito, está indo. Este lodo, este barro juntado em milhões de grãos; não está servindo para as cores. O mundo feito do barro. A poeira está no espaço, com o lixo do espaço. Lixo e vírus, germe. Tudo na poeira.
IV
O barbeador passa; trás em suas lâminas um lama mole, úmida. É o suor. Não, não. É a mesma que vem do Jardim, num dia de sol e vapor d’água. Mas esta nova fase da poeira se revela pouco a pouco e me revela na frente do espelho. Eu pequeno e me vendo, poeira do meu nascimento.
V
Alguém grita. É um gruído. As vozes se misturam e não se fala do vento, menino, maluvido, petequeiro. A poeira, sempre ela, nos meus olhos, fazendo-me chorar, vermelhos sem ninguém.
VI
A poeira não é uma idéia nova.
(LIMA, Ronaldo Pereira de. Meus Cadernos. Colégio, 06. 02. 02).
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26 de set. de 2010

Obedecer

Ó
     Bê
           Dê
                  Cê
Meninos de Ló.
Viu crianças!
Obedecê-lo. 
Meus Cadernos, 1998.
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9 de out. de 2009

Sobre o cansaço

“(…) os olhos não se fartam de ver, nem os ouvidos se enchem de ouvir”. (Ecl. 1:8).
Essas foram as palavras do sábio Coélet. Sábias, mas físicas, biológicas. Pois, digo:
Quando os olhos se fartam, eles lacrimejam.
Quando os ouvidos se enchem, a alma se angustia.

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7 de out. de 2009

Sobre a inveja

A inveja quando se apodera de um homem abre em sua alma caminho a todos os sentimentos desprezíveis e torpes. (Tahan, Malba. O homem que calculava. Rio de Janeiro: 50ª tiragem – Record, 2000; p. 75).
O olhar voltado para baixo, “catando” dos pés à cabeça. Mente na escuridão, no silêncio do diálogo e das aflições. Inquietação, perda do bom senso. O coração se torna uma pedra, abrindo fechando. Os olhos brilham, trilham… mas é dentro da carne que a alma, já possuída, perde-se entre os músculos, veias, ossos. Depois vem a maquinação, o querer, o eu com a roupagem de Caim.

Porto Literário, ano I – nº 57 de 20 de janeiro de 2003. Versão impressa.
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23 de jul. de 2008

Por que tenho que ler


Ler é um ato homólogo ao de pensar, só que com uma exigência de maior complexidade, de forma crítica e desautomatizada. Quem não sabe pensar mal fala, nada escreve e pouco lê.

Eliana Yunes.

Ler não é simplesmente deslizar os olhos sobre letras, orações, parágrafos e páginas. É assimilar, compreender. Não é apenas visualizar com a mente o objeto lido. É interiorizar conhecimentos e se tornar um ser mais, como nos ensina o educador Paulo Freire. “Ser mais” é ter consciência crítica. É participar do mundo e de suas transformações. Quem lê organiza e reorganiza ideias, fortalece o senso crítico e através dele opina, interage com o mundo ao qual está inserido.
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