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Mostrando postagens com o rótulo Crônica

Arruda, as cuecas e as meias

Os cientistas políticos tentam explicar o fenômeno da corrupção. Muitos culpam o sistema. O presidente da república defende a reforma eleitoral, dando ênfase ao financiamento de campanhas eleitorais com o dinheiro público. Sugestão que não resolve. A mídia, para ganhar mais dinheiro, faz sensacionalismo das cuecas e das meias. No Congresso as opiniões se dividem. Instituições pedem o impeachment. A assembleia legislativa do Distrito Federal “estuda o caso”. A polícia, para manter a “ordem”, espanca e retira com violência os manifestantes. Imaturidade militar. A Polícia Federal confirma a veracidade dos vídeos. Meus colegas comentam com espanto: “Viu o jornal ontem? Que cabra mais ladrão! O patrimônio dele aumentou e muito. E a mulher? Você viu a mansão que ela ficou com a separação?”. E se prendiam a outros retalhos. Eu, no entanto, não fui pego de surpresa. Explico: Por que insiste Arruda em se manter no poder? Porque comprou o mandato. Por isso quer mantê-lo. Por isso entrou com mand

Os homens de bem e a política

A gente cresce ouvindo que “os homens de bem não devem se meter em política”. Que política é coisa de “cabra safado e corrupto”. De tanto ouvirmos essas expressões a gente se esquiva do sistema político e cometemos um grave erro. A política não foi feita para os cabras safados, nem para os canalhas. A política foi feita para os homens que tem dignidade, responsabilidade. A gente precisa fazer a diferença entre o que é política e o que se pratica atualmente (costumo chamar de politicanagem). A política constrói, educa, busca o desenvolvimento, a segurança pública, o bom sistema de saúde e outros serviços com probidade, ética, moralidade, impessoalidade e transparência. A politicanagem estar bem definida na música Ladrão/Formigueiro, de Ivan Lins e Totonho Villeroy e nos últimos versos do poema de Brecht: O analfabeto político. Ela é a celebridade dos jornais televisivos, escritos, on-line e outros meios de comunicação. É tão cínica, tão covarde... A prática da politicanagm unida à impun

Base mal aliada

Toda eleição possui candidatos e uma base que os apóiam. E, na formação dessa base, há o povo arrastado em longos e cansativos comícios. Isso acontece porque o povo não sabe votar. Não sabe votar porque não sabe a importância e a função social do voto. Não sabe dessa importância e função social porque não tem uma consciência crítica. Não possui uma consciência crítica porque não tem uma educação digna e adequada para as suas necessidades. Quando o povo aprender a votar terá como princípio básico de sua consciência o conhecimento histórico, digo; vida pregressa dos candidatos e não precisarão acompanhá-los como fantoches de um grande e lucrativo comércio. Comércio lucrativo porque há a participação direta de agiotas, de comerciantes, de cabos eleitorais com seu apóio “moral” e de uma parcela do Judiciário que se presta a esse tipo de canalhice. Esse apóio possui um valor financeiro no período eleitoral e pós eleitoral quando o seu candidato é eleito. Enquanto o povo, que lucra com migal

Senado do povo, como povo

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Ouço quando os colegas opinam, melhor dizendo, repetem o que há nos recortes de jornais impressos, televisivos e revistas; mas sem nenhuma opinião crítica. E, a opinião que não são deles é que os políticos são um bando de gatunos e canalhas e aquele fuzuê não daria em nada. Eu apenas os observo e penso: Os homens que ocupam os assentos do Senado foram eleitos pelos estados para representá-los. Vale lembrar que a maioria deles está em Brasília, vai à tribuna, elaboram belos discursos; apesar de não merecê-los. Estão naquela posição privilegiada não por mérito, mas porque comprou currais eleitorais. Todos os brasileiros sabem que a briga no Senado é uma briga de interesses pessoais e jamais político. Se político fosse, tanto as representações contra Sarney seriam apuradas assim como a de Arthur Virgílio. Por meio de acordos que não são mais estranhos, mas tão íntimo entre eles é que elas (as representações) foram arquivadas. Aquela briga espelha a imaturidade política do eleitor brasilei

O vendedor de cocadas

Deparei-me com o vendedor de cocadas outro dia desses, quando andava tranquilamente pelas ruas daquela cidadezinha. Ele tinha aproximadamente um metro e setenta e cinco de altura, olhos esbugalhados, vestido à Caruaru, meio bojudo, sorriso largo, calçado com chinelo de dedo. Ele empurrava um carrinho de mão, dizendo: “Oi a cocada!”. Seu vozeirão chamava a atenção de quem por perto passava. Lembrei-me dele nos arrastões, da enorme bandeira que carregava estampando o número do candidato, dos dias de embriaguez, da euforia e cansaço dos comícios, das piadas, picuinhas tão comuns nas pequenas cidades que para nada servem. Lembrei-me, também, do dia cinco de outubro do ano passado. Neste dia, quando o resultado de boca de urna saiu, uma turba de pernas, risos, lágrimas, abraços, invadiram a avenida onde se localizava o maior colégio eleitoral daquela cidade. Alguém filmava aquele calor, aquela euforia. O vendedor de cocadas se aproximou do cinegrafista amador e disse: “Minha cidade agora sa

Abandono e rejeição

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Aos oito anos de idade Carla fora abandonada pela mãe, ficando na companhia de um pai epilético, alvoroçado e cachaceiro; apesar de trabalhador, além de uma irmã de quatro anos. A mãe era desses tipos de mulheres que entregou o corpo e a alma para as drogas, a prostituição, ao roubo. E era, também, dada aos bares. Para Carla lhe sobraram apenas os afazeres de casa: cuidar da irmã caçula, cozinhar, preocupar-se com o pai, costurar e quando lhe sobrava tempo, ensopava a face com lágrimas miúdas. No seu peito juvenil se alojava a melancolia, o desespero. Cheia de angústia, de dor; saiu outro dia de casa com um único pensamento: morrer. Esta foi a escolha que fizera para se livrar do peso que estava sobre sua vida. Na ausência do pai, pegou os comprimidos dele que combate a epilepsia e foi à escola. Estava pronta para tomá-los e dar fim a sua vida, mas a professora percebeu algo errado e interveio, tomando dela os comprimidos, abraçando-a. Carla apenas soluçava no ombro da pro

Farinha com água

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Meio-dia. O mormaço entra pela porta escancarada, ficando retido nos cantos da casa. Olhos pequenos e pretos brilham de tristeza, desfalecidos. A mãe os olha com um nó na alma, impaciente. O marido vai para a saleta. Os filhos sentados em uma mesa que fora do vizinho, com quatro cadeiras descadeiradas; esperam silenciosamente pela mãe. O silêncio negro da fome põe no rosto as formas geométricas da tristeza, do desalento. Ela se afasta. Pega um bule, água na torneira, botijão prestes a acabar e leva-o ao fogo. À água ferve, borbulha. Ela tirou o bule do fogo e saiu colocando em cada prato (Nem tempero havia). O vapor subia prendendo aquela família no mormaço da dor, do desespero. Em seguida ela, a mãe, pegou o resto de farinha azeda e dividiu em partes iguais. Uma xícara para cada filho. Os meninos mexiam a colher, tristonhos sem querer comerem. Mas uma força maior estava dentro deles, forte, robusta: A FOME. Depois ela se ajuntou ao marido e a FOME.

O segredo escondido na prateleira

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— Por favor, vá até a prateleira e me traga alguns fragmentos. Se por acaso você não os encontrar, procurai-os nos cantos da casa. E não demore. Obrigado!   No fundo escuro da prateleira uma criança chorava e ninguém ouvia seu pranto. — Por que você está chorando? — Porque estou com fome. Ninguém saciou minha fome. Também chorei com ela porque estava com fome. E nós chorávamos e ninguém nos ouvia. Estávamos na parte mais escura da prateleira, onde costuma ficar a traça. Então peguei linha, agulha e o cesto. Peguei algumas páginas e fiz pão, convidei-o para sentarmos em cadeiras de folhas. Começamos a comer, comer, comer...   Meus cadernos, 1998.

Posta de peixe

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Meio dia... Ele chegou faminto do trabalho. Foi a cozinha, abriu a porta e a brisa o recebeu abafada. Meio metro da porta havia um estreito banheiro. A sua direita uma lavanderia. Ao pé dela, um gato vindo não sabia de onde com uma posta de peixe. Aquele gato trouxera para o seu quintal um furto de uma cozinha, não sabendo de onde nem tendo idéia de onde.  Deu dois passos. O gato, ao perceber que se aproximava, ergueu os olhos semicerrados e ronronou para ele. Talvez, no pensa mento de gato, ele seria mais um felino faminto que disputava aquela posta.

A existência que dói

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Era visível no olho esquerdo uma remela esverdeada. A face, abatida, expunha a dor, a tristeza contida no peito. O lado direito perdera o movimento por causa de um derrame. Não costurava mais, não lavava a louça, nem punha na mesa o café para os filhos e para o esposo. Aquilo traspassava a sua alma e a reduzia a infelicidade. As lágrimas, companheiras de sempre, não mediam esforços para torná-la ridícula para os incompreensivos. E não eram só as lágrimas que entrou em sua vida, mas os antidepressivos, a impaciência e o murmúrio. Mas, em meio a essa "tempestade", sobrevivia com poucas e nobres lembranças que não voltam mais.

Abrir e fechar o dia

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Hoje fui acometido por uma insônia miserável. Volvia-se sobre o colchão e os meus olhos viam pontinhos luminosos na escuridão. Os grilos se foram, os pardais pipilavam e abriam o dia. Um montão deles era um coral. Eu não fiquei para trás, abri também o dia com as orelhas e da minha cama vi um dia diferente com nuvens espessas e paradas. Os primeiros raios de ressaca surgindo com uma preguiça própria do céu. Olhos começaram a se abrir, mãos começaram a lavar os rostos. Os primeiros movimentos saem na rua, algumas portas se acordam e para a rua. Os pardais se espalham em vôos diferentes e buscam na variedade do cardápio o dia. Saem assim como o homem para a vida. Mas, eu fico coberto com o lençol e os  meus olhos estão pesados. Um friozinho está nos cantos do meu quarto, menino sapeca, sorrateiro. LIMA, Ronaldo Pereira et all. Ritmo Vital: contos, poesias e crônicas. São Paulo, Edições AG, 2007.

Céu plúmbeo

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O céu estava plúmbeo. No outro lado do rio, uma nova croa apareceu; entristecendo os corações dos ribeirinhos. Uma canoa passou melancólica e solitária. Desci a rampa do porto das lanchas. Dentro de uma delas, olhei no visor do celular. Estava atrasada cinco minutos . Foi dado partida no motor . A lancha saiu de ré, auxiliada por um caibro roliço. Diante de mim, vestido à Caruaru, um jovem de uns vinte e cinco anos tentava nos esconder a face e os olhos sob a aba do boné branco. Era como se ele estivesse nos escondendo algo, receando que a gente desconfiasse ou descobrisse. A brisa suave e fria batia nossas faces e as águas, as poucas e cansadas águas do pobre Chico receberam as primeiras gotas do céu. O vento, malinando sobre a face das águas, formavam pequenas marés. A lancha se balançou e uma senhora, no fundo, estava aflita. Próximo a ponte, apesar da distância, notávamos a imensa ilha com currais que servem para pequenas criações de gado bovino. Ilha esta qu

Fragmentos

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O rádio toca, os carros passam.  Debaixo do teto as pessoas conversam, a lagartixa aparece na parede branca. A cozinheira faz à comida...  A família janta. As formigas bebem água. Sem causa ela briga, irrita-se. As formigas se cumprimentam. Enquanto escrevo, uma delas passa sobre as minhas palavras. A pequena não sabe ler. Isso deve ser considerado. A família, ainda na mesa, palita os dentes e O mosquito rouba  sangue.