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25 de nov. de 2010

Mendigo na feira



Estávamos em um bar rindo e olhando as garotas passarem. Um mendigo passou, mas ele resolveu dar meia-volta e parou diante de nós. Meio capenga, movia-se ao som da música nos fazendo rir. Ele pediu uma dose de cachaça e ficou porali.

O dono do bar amarrou logo a cara em alguma parte do bar onde era impossível de ser visto.  Ele se aproximou, pegou-lhe pelo braço e o pôs para fora feito cão sarnento.

No outro lado da rua as bolsas iam e viam. O pirata, com seu som estridente, tocava uma brega. Movido pela música, o mendigo dançava com uma parceira invisível, fora de ritmo; expondo um riso cariado. Algumas pessoas riram, outras o desprezavam, enxotando-o. 

Depois das risadas e do desdém, a esmola veio de costume: magra, áspera, fria, vazia; tornada apenas um hábito por causa das ideias cristãs. E ele seguia seu caminho abraçado com Dionísio, escárnio e ruindade.


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8 de nov. de 2010

Malditas picuinhas

Ele estava na praça, concertando uma estante de armazenamento; dessas que se usa nas pequenas lojas para entulhar roupas e livros de forma imprópria. Aproximei-me, cumprimentei-o e pausei por alguns instantes; o necessário para ouvir dele que um suposto amigo havia delatado-o a um político sem mandato, mas com chances de se eleger na próxima eleição.

Mesmo com aquela mágoa no peito, falou-me que aquele político o tratara como antes, sem cara amuada; que passou por ele e acenou com a mão, demonstrando na sua falácia satisfação, pois, os gestos do político lhe conferiam algum prestígio, assim pensava ele com um riso sarcástico. Ao retomar a sua mágoa, tratou com desdém o suposto delator, esbravejando adjetivos vulgares a mãe deste, pleno de certeza que ainda tinha “moral” com aquele candidato.
 
Eu não o fitava por muito tempo porque ele insistia naquele conflito, na condição de vítima, na existência de um suposto delator, pois, desconfiava de quem por ele passava e não lhe saudava. Percebi nas palavras dele um pretérito de barganha que o punha em uma situação de risco, pois, mesmo com o rabo preso ao passado, estava pronto para deixar a velha militância porque naquele pretérito alguma coisa ficou mal resolvida. Naqueles instantes que estava com ele, meus tímpanos não estavam para aquelas infelizes picuinhas, nem aberto o meu coração. A única coisa que os meus tímpanos queriam era o silêncio das coisas.
 
Eu o ouvia, balbuciava algumas palavras, esperei-o se esvaziar. Quando notei que a sua ansiedade, sua língua se movia pouco; estendi-lhe a mão e me fui com uma certeza: era mais um daqueles que só se sente gente quando participar de um mandato, nem que seja mijando ao pé do poste.
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7 de nov. de 2010

Deus não é religioso

Muita gente vive com Deus na ponta da língua. Isso não é uma novidade. Apenas uma rotina. Mas vez outra me deparo com essas pessoas e as diferentes formas de elas “entender” a palavra de Deus. E, nesses montículos insipientes de pessoas, noto que Deus está na língua e não no coração.

Deus não pode ser confundido com religião. Não se pode externar as doutrinas dessa ou daquela religião e impô-las como únicas e verdadeiras. Todo conhecimento, seja científico ou não, deve ser questionado. O que mais me aborrece são aquelas discussões religiosas bestializadas que para nada servem; e servem: para o aborrecimento e a indiferença.
 
O que percebo é que Deus tornou-se um hábito na língua e uma prática religiosa. Por isso, me defino um homem sem religião. Um homem sem religião não é um homem sem Deus, como pensam os alienados; porque Deus não é religião. Um homem sem religião não é um homem à toa, como pensam aqueles que são contrariados; porque a Bíblia é o único guia a ser seguido.
 
Portanto, não se fiem em doutrinas, costumes, rituais, tradições e outras tolices religiosas, [i]por que disse o apóstolo da incircuncisão: “E ainda que distribuísse todos os meus bens para sustento dos pobres, e ainda que entregasse o meu corpo para ser queimado, e não tivesse amor, nada disso me aproveitaria”.
Taí o recado do apóstolo para aqueles que preferem religião ao amor.

[i] BÍBLIA SAGRADA. Epístola de Paulo aos Coríntios, capítluo 13:3.
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12 de out. de 2010

Tucanada raivosa

Os raivosos do PSBD alegam a vantagem de Dilma sobre Serra atribuindo-a aos 12,5 milhões de família cadastradas no Bolsa Família. Eles afirmam que esse programa estimula a preguiça e que é uma forma legal de compra de voto, caracterizando-a como assistencialista.

O problema é que a tucanada se esqueceu ou finge ter esquecido que foi o governo do PSDB que implantou os programas sociais (Bolsa Escola, Bolsa Alimentação, Auxílio gás e Cartão Alimentação). São tão pueris na questão do Bolsa Família que acham que todos os cadastrados no programa votam exclusivamente em Dilma e somente nela. Não levam em conta que dos 12,5 milhões de famílias há crianças, pré-adolescentes (que não votam) e adolescentes (voto facultativo).

Inconformados com a realidade eleitoral, os raivosos tucanos estão engordando os e-mails dos eleitores com informações distorcidas da biografia da presidenciável, contextualizando-a no atual conceito de terrorismo, de assassina de criancinhas (questão do aborto); sendo este último reforçado por padres e bispos a favor do tucano em suas homilias, apesar da reprovação da CNBB. E não foi só a presidenciável que foi alvo dessas picuinhas. Seu vice, Michel Temer, é tido como satanista.

São tão descarados que outro dia alguém me deu duas folhas de papel A4. A primeira com a “ficha criminal” de Dilma e a outra com informações afirmando que ela apoia o aborto de mulheres grávidas aos nove meses. Basta as mulheres querer, motivada ou não. Olhei para a pessoa, ri, perguntei-lhe se ela estava com febre, se a mentira havia possuído-a, pois, nenhum candidato seria capaz de tal disparate. Nem mesmo Serra que introduziu as normas técnicas do aborto no SUS, reforçadas por FHC no PNHD II de 2002.

Além dessas coisas, a tucanada tem agredido a presidenciável do PT de forma mesquinha, vil. Rotulam-na de lésbica, filha de chocadeira, amante de Lula, antipática, terrorista e, recentemente, anticristã; exalando desdém e preconceito contra as mulheres.

Quero dizer a esses infelizes que não me envie e-mail´s sobre a presidenciável do PT, panfletos ou seja lá o que for. Não preciso dessas picuinhas para formular as minhas opiniões, as minhas decisões.
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12 de set. de 2010

Mazela eleitoral

Muita gente acha que as leis existentes deveriam ser mais rigorosas, pois, acreditam que esse rigor resolveria o problema da impunidade neste país. E reclamam delas e dos políticos. 

Acham que a Justiça Eleitoral deveria proibir o uso de dinheiro em campanhas, pois, ela sabe que esse dinheiro se destina a mercantilização do voto; que o dinheiro deveria ser usado simplesmente para manter um banco de dados contendo informações pessoais e jurídicas da vida de todos os candidatos envolvidos em um processo eleitoral para que os eleitores pudessem escolher pesquisando a vida pregressa de cada um deles.

Entendo que essa olhadela no sistema político reflete que: falta filosofia, faltam reflexões, falta senso crítico. Mesmo que fosse proibido o uso de dinheiro em campanhas, ele não faltaria no bolso dos candidatos, pois, há quem os financie; melhor dizendo: comprem favores pessoais, agiotem e isso ocorre há anos. O problema das eleições deste país não são as calúnias, as baixarias, as fraudes, os sigilos quebrados, a pistolagem, as Leis, a "harmonia" de alguns seguimentos do Judiciário. O problema das eleições neste país esta na cabeça dos eleitores.

Enquanto a mudança não começar por ela não há mudanças no sistema. Ele sempre será perverso, irresponsável, amoral, opressor e vil. Por isso muitos já perderam a esperança. Sem forças para lutar, prostituem-se com o sistema e tentam impor que a prática da corrupção faz parte da cultura do brasileiro. Entendem que a barganha é uma prática normal, amigável e social.

A mudança não tem acontecido porque o povo não compreendeu o que o voto é. A maioria entende que essa palavra não tem nenhum valor, por isso, apegam-se a vantagens imediatas e medíocres. Isso ocorre porque nos fizeram acreditar nisso há muito tempo. Isso não é de hoje.

E o pior dessa triste verdade é que o povo simples é vítima dessa mazela eleitoral, apesar de alguns não compreenderem isso. Enquanto houver forças nos dígitos, eu levantarei um estandarte para o povo por um motivo simples: muita gente dita "culta" e que possuem anéis universitários vivem de barganha, sendo os mais beneficiados.
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5 de set. de 2010

Ruas vazias e solitárias


Vestiu a bermuda surrada e nem se deu conta. A mãe balbuciou alguma coisa, mas ele meneou a cabeça e saiu. Lá fora, as ruas estavam vazias e solitárias para os seus pés. Durante o trajeto, pensava: 
— Amei-a sem limites. Doei-me sem interesses pessoais. Ocupei-me com os problemas dela, vivendo-os como se fossem meus. Mas, o que me restou? Restou-me a humilhação, o cansaço e a chacota. Além disso, mamãe fica no pé, azucrinando a minha cabeça para eu não cair mais numa daquelas.
Caminhando pelas ruas daquela pequena cidade não surgiu um ouvido, uma língua, um olhar terno, meigo que lhe servisse de bálsamo. A alma, movendo-se de amor e para o amor, encharcava-se de angústia. Muitas vezes sentia-se perdido e tinha a sensação de estranhamento de si e das coisas.
Alguém o chama. Ele ergue a cabeça, reconhece a turma que estava na porta de um mercadinho e se dirige para lá. Ali, a mesmice parara e nela sua integridade fora violada, sua solidão, seu solteirismo posto em dúvida. Então, na sua serena aparência, elástica compreensão, saiu tranquilamente com o olhar voltado para o chão, a procura de algo que os seus interlocutores não veem.
Convencido de que aquelas pessoas eram tolas, mas nem por isso as julgavam, pensou:
— A vida neste lugar tornou-se um ciclo: a violação da vida alheia, da solidão, da opinião política; além dos gracejos inconvenientes, recheados de críticas e desdém na variedade de risos. Eles são bobos. Não entendem a vida. Prendem-se demais em coisas fúteis, medíocres. São tontos! Não percebem, não vivem e; vivem dos outros, para os outros. Não ousam nem explorar as profundezas das ideias, dos pensamentos, das emoções. A maioria deles vivem no abismo, na escuridão das suas próprias angústias.
Houve um tempo que essas manias dos seus conhecidos o perturbavam, deixando-o sem direção, sem rumo e muitas vezes, quando deles se afastavam, os olhos rasos de lágrimas. Só que ele esvaziou tudo isso de si quando percebeu a tolice de cada um deles e a não culpabilidade. Afinal, era apenas uma reprodução de hábitos; maldosos, mas um hábito.
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4 de ago. de 2010

Possuídos pela barganha

É com pesar e intensa melancolia que noto as pessoas possuídas pelo convencimento passivo diante das várias situações políticas. O período eleitoral é uma oportunidade para a barganha e elas não se envergonham em dizê-la. 

Tão convencidas estão que não pensam nas maldades que praticam quando de suas casas saem para votar em políticos com vidas pregressas maculadas. Esquecem-se que as leis são criadas por políticos que compraram mandatos. Há os tolos que acham que, se não comer naquela ocasião, não irá mais receber um suposto benefício. Esquecem-se que a individualização do voto priva os benefícios coletivos, tais como: segurança, educação, saúde, transporte público, dentre outros; tão explícitos no sensacionalismo da mídia que reflete a má escolha dos empregados eletivos.
 
Essas escolhas ruins fazem pais e mães perderem filhos para as malditas balas achadas, para o tráfico de drogas, para os homicidas, os maníacos, os leitos dos hospitais e das unidades de saúde sucateados. Isso ocorre graças à omissão de um Estado incompetente, irresponsável que negocia o voto, ao invés de reeducá-lo.
 
Há quem ache que o povo simples é o único culpado. Só uma olhadela no sistema faz algumas pessoas pensarem assim. Sei de uma coisa curta e certa: se juízes, promotores, procuradores, comerciantes, servidores praticam a barganha; o quê, então, dizer de um povo que depende de um dia de trabalho? Não há nada o que dizer.
 
Tem muita gente se regozijando com a Ficha-limpa. De fato, um passo importante na história eleitoral, mas essa lei só servirá para os tribunais. O problema no processo eleitoral deste país estar nas pequenas células. De nada vai adiantar leis, leis se a maioria do povo é analfabeta política. O que se espera, então, dessa maioria? Escolhas ruins, políticos ruins, ações ruins. 
 
Por isso, estarei enclausurado estes dias nas minhas reflexões, procurando compreender o que nelas ocorrem e compreender as que vêm de fora, nas bocas, nos rostos, nas asas tortas.
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23 de jul. de 2010

Correndo do amor

Sentada no banco da praça e de cabeça baixa, soluçava. O soluço era resultado de uma paixão inacabada que a punha numa situação dolorosa. As lágrimas desciam impetuosas pela face e a mente se metia em confusões, as malditas confusões.
 
A única coisa que conseguiu naquele momento foi desejar alguém por perto, algum amigo para lhe afagar, doar uma palavra de carinho, conforto. Mas as lágrimas, as infelizes lágrimas era quem lhe faziam companhia. Ah, que triste companhia que alguém pode ter num momento como este!
Sentiu uma mão tocar seu ombro. Assustou-se! Sem olhar para trás, nem pensar duas vezes, levantou-se com pressa e saiu correndo. Corria, corria e já não sabia por que corria. O homem que a tocara sentou-se no banco esperando-a porque sabia que ela voltaria no meio da noite. Então ele riu para si, ria para o silêncio, ria apenas.


PORTO LITERÁRIO, ANO II – N.º 54 – DE 06 OUTUBRO - 2003.
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21 de jul. de 2010

Círculo da morte

Um bem-te-vi estava entre galhos. Anunciava que viu, mas não dizia o quê. Os galhos balançavam, as folhas farfalhavam com as malinações do vento (Bento). A relva estava verde e o sol espalhava-se sobre ela em gotas de orvalho. Um pardal pipila e voa, sendo substituído por um voo circular sob nuvens branquérrimas e um céu anil. Então as minhas pálpebras se quebraram nesse dia.
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16 de jul. de 2010

Fundo de quintal

Procurava um amigo e o encontrei numa escola dialogando com colegas de trabalho. Dei bom dia, ofereci amendoim que carrega em uma das mãos, sentando-se em seguida numa dessas cadeiras escolar abandonada.
Em silêncio, ouvia quando um deles acusava a Câmara de ter vivido um caso de mancebia na gestão anterior, alegando que: “quando os vereadores são do mesmo grupo político do prefeito, não há administração; mas esculhambação em conluio com a Justiça”. Outro, mais reflexivo falou: “a oposição é muito útil para a democracia”, calando-se.
O diálogo entre eles continuava, tornando-se quase conversa. Cada um expunha suas ideias e opiniões sobre o atual sistema político, apontando com os dez dedos das mãos para os políticos; demonstrando uma opinião formada pela mídia.

Permanecendo como estava nada dizia; até porque aquele diálogo-conversa me causava angústia, já que os ouvidos nunca se cansam nem se fartam os olhos. Observei o entendimento superficial que alguns deles faziam daquele assunto, até que alguém disse: “esses caras (políticos) pensam que ali (apontava para a prefeitura) é o fundo do quintal deles”.

Olhei para o meu interlocutor e fui tachativo:

— Claro! O fundo do quintal é deles porque eles compraram.

O meu interlocutor ficou surpreso com a minha resposta, engoliu saliva, calou-se por um instante, olhou para dentro dos meus olhos, dizendo:

— Não entendi!

­— Eles compraram e compram esse fundo de quintal. Por isso fazem o que fazem. Esses empregados eletivos deixam de ser empregados para serem comerciantes. Nem tem, nem querem responsabilidade.

Sem entender o que eu dizia, um dos colegas explicou com maior clareza, dizendo que eu me referia a compra e venda do voto. A conversa tomou outro rumo sem vela.

Não defendo em minhas crônicas os profissionais da política por entender que eles são canalhas, larápios, gatunos; mas percebo por trás desses substantivos um povo alienado, descrente, apegado a barganha eleitoral que ao invés de reagir; votam em candidatos para depois reclamar nas esquinas das escolas, hospitais, unidades de saúde e outras repartições públicas.

Por isso não se deve ver os políticos a partir do próprio político. Quem assim age, comete um grave erro, possui um entendimento horizontal do sistema e se esquece de que este país precisa de uma reeducação política, de um Judiciário mais sério (principalmente nas cidadezinhas) e de um povo educado.
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28 de jun. de 2010

A espera de um candidato

Mauro estava de pé. Com o celular abaixo do queixo, fazendo gestos como se estivesse num palanque ou tribuna. Era branco, cabelos lisos e sedosos. Carregava no rosto vestígios da adolescência. Eram espinhas fossilizadas. Calçava tênis e vestia jeans.

Falava de promessas e algumas pessoas o rodeavam, enchendo o coração e as cáries de alegria - Um menino passou de lado, catando as latas de refrigerante e cervejas que nós havíamos bebido. O vento fazia pequenos redemoinhos de poeira, fazendo os cílios se encontrarem para proteger às córneas.
Zuuuuummm... 

Uma carreta passou pela BR e Mauro falava, falava na ponta dos pés, voltando-se para uma plateia magérrima.

Alguém passou, pôs a mão no meu ombro. Eu o respondi com um sorriso contido. Biro se aproximou, estendeu aquela mão grande e fria. Demorou um pouco e depois saiu à cachorro. 
Saímos. 

Dentro do carro Ademir falava com gosto e alegria, contente de coisas pálidas. O rosto dele era redondo, nariz afilado, bojudo e usava óculos. Chegamos. Avistei de longe uma multidão exposta ao sol e já fazia algum tempo. Sim, uma multidão que esperava quinze reais e a vontade de um senador. Eu apenas olhei a movimentação daqueles olhos pequenos, famintos, descaídos e pálidos, segurando bandeiras. Que contraste, meu Deus!

Depois eu desapareci sem que ninguém sentisse a minha falta, até porque os meus olhos se fartaram daquela ignomínia.
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1 de jun. de 2010

Receitas A4

Euforia, paixão, gritos estrídulos moviam-se no calor das passeatas de rua em rua. As bandeiras são verdadeiros estandartes. Os eleitores quando se deparam com pessoas de outro grupo, as recepcionam com vaias e os mais afoitos com gestos obscenos. O líder nada faz, mas demonstra certo sarcasmo.
Passada essa fase de comícios e pede-pede de votos, chega a semana da eleição. Os grupos se reúnem para traçar os pontos estratégicos do comércio eleitoral. Os líderes convocam os cabos eleitorais, discutem o que deve ser feito e começam agir, geralmente na calada da noite feito ladrão. Mas são os últimos três dias da eleição que as coisas acontecem e esquenta. As pernas dos eleitores são substituídas pelo frenesi dos pneus. São uns atrás dos outros para “impedir” a compra e troca de votos.  
No dia as coisas aparentemente são calmas. A polícia, o MP (quando não escolhem um grupo) ficam na espreita tentando muitas vezes impedir a famosa boca-de-urna. Mas o vício é miserável e muitas vezes difícil de perceber, detectar. A criatividade é algo que acontece, pois, usaram nesta última o cachorro quente (retiravam o miolo do pão e punham dinheiro).
O resultado da eleição é divulgado, os vencidos se trancam em casa, as ruas são tomadas de novas passeatas, as músicas das campanhas são escancaradas, provocações são ditas para todos os lados e muita bajulação. Passada a essa euforia do dia cinco, a chateação perdura por alguns dias, novas caras aparecerem nas repartições acompanhadas de assédio moral, as promessas não cumpridas dão lugar as esculhambações; os que tinham esperança de um emprego perdem-na.
As vidas são retomadas.
Mas aquele mesmo eleitor que se cansou nas passeatas, nos transportes precários, que bebeu bebida ruim, que ganhou intrigas; vai à unidade de saúde, consulta-se e o médico em ¼ de papel A4 prescreve a medicação. O eleitor sai, vai à farmácia da unidade e de lá sai desapontado porque falta remédio. Com a receita na mão, sai desesperado a casa do prefeito (a), mas nunca o (a) encontra em casa ou na prefeitura. Mesmo assim, não desiste, caindo no bolso do vereador, antecipando a venda do voto que, na maior parte dos casos, não é vantajosa para quem compra; assim eles alegam.
Essa é uma demonstração de muitas do comércio eleitoral na base política deste país. Base essa construída sobre areia.
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14 de mai. de 2010

Dia, depois noite

É dia.

Levadas pelo vento, elas se mesclam ao anil do céu. O sol, por sua vez, esbanja-se pelas ruas, calçadas. Depois vem a noite, sem nuvem alguma; mas carregada de estrelas.

Mas de repente as nuvens mudam de cor, os trovões surgem, os relampagos fazem faltar energia, Mimi foge para debaixo da cama e Zeinha se assusta, dizendo que o coração palpita na boca.
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5 de mai. de 2010

Reeducação política

O problema da política não estar nos políticos, mas no modo de se fazer política, de se pensar a política e de escolha política.

Neste país, faz-se política de várias maneiras: pela aparência, pela picuinha, pelos interesses pessoais e egoístas, pelo comércio eleitoral, pela mídia, pela mentira, pela fofoca, pela antipatia etc. Explico: conversava outro dia sobre a eleição presidencial. Ouvi o nome de Dilma ligado ao de Lula, o de Serra ao de FHC. Os simpatizantes do primeiro argumentavam a crise superada, a não dependência do FMI, as não privatizações, os inúmeros concursos públicos etc. e os do segundo diziam que o Plano Real foi criação dos tucanos, o Bolsa Família (Uma mentira, porque o Bolsa Família é a reunião do Vale Gás, Bolsa Escola e Vale Transporte criados no governo de FHC), o não reajuste das aposentadorias (O fator previdenciário foi criado no governo FHC), que o governo Lula já pegou a casa arrumada e outras bobagens.

Quando os ânimos se apaziguaram, eu olhei para os meus amigos e lhes disse: minha candidata ao cargo de presidente é Marina Silva. Uns me tacharam com estas frases: “Eu é que não voto numa mulher feia daquela”; “Ela não vai ganhar mesmo. Não gosto de votar para perder!” Os mais estúpidos perguntaram: “Quem é Marina Silva?” Tentei explicar, por meio da história de vida dela, sua conduta ilibada, sua capacidade de refletir as causas sociais, sua carreira política, seu preparo para assumir o cargo de presidente da República. Mesmo assim tive que ouvir de estúpidos dos estúpidos que “não votaria em mulher”. Mesmo assim continuei argumentando. Expus as falhas do governo Lula e suas péssimas coligações, assim como mostrei as falhas do governo de FHC que não nos dava dignidade, rezava, lia e falava muito bem a cartilha norte-americana (E não americano, como querem muitos). Por último, disse-lhes que o governo Serra é péssimo por causa de dois fatos simples: os confrontos entre as polícias civil e militar no ano de 2008 e a recente greve dos professores no estado de São Paulo, recepcionada por cassetetes da polícia militar. E concluo: se alguém não se abre para o diálogo para duas peças fundamentais de uma democracia que é a segurança e a educação, como administrará um enorme e complexo país como o nosso?

Após a minha exposição, uns se dispersaram, outros se calaram. Outros assuntos foram abordados. Quando estava sozinho, pensava sobre no que disse, o que eles iriam pensar a respeito e fiz esta reflexão: uma pessoa má educada (não importa se seja analfabeta ou carregue um diploma universitário) conjuga das mesmas ideias de corrupção quando fazem péssimas escolhas, para depois reclamar nas esquinas.

É necessária uma reeducação política, assim como se prega bastante a reeducação alimentar e ambiental. Sem essa reeducação, sempre haverá péssimas escolhas, péssimos candidatos, políticas ruins e excludentes.

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23 de abr. de 2010

Multiplicando os pães


A multiplicação dos pães continua, a exemplo de dona Lucádia que divide R$ 510,00 para a farmácia, o mercadinho, à água, o botijão, a energia e os netos.
 
Isso acontece todo dia cinco de cada mês. Os filhos dela chegam acompanhados dos seus filhos. Ela, dona Lucádia, observa para os rostos pequenos das crianças e se compadece. Afinal de contas, são filhos dos seus filhos. Contrita, ela os acolhe solidariamente com a solidariedade que só às mães possuem.

E é assim: em alguma parte deste país a multiplicação dos R$ 510,00 acontece miraculosamente para uma multidão de netos, de filhos, genros, noras; sem rumo, sem remo.
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11 de abr. de 2010

Miolo, que não é de pote


No fundo da consciência, onde se esconde a traça dos pensamentos; onde fica retido o mofo de armário e se esconde a hipocrisia, chora uma criança perdida de medo, em meio a uma luz baça e comprida.

No fundo da consciência muita coisa acontece sem que ninguém veja. Lá, no miolo insondável o mundo gira elétrico, a mente flui como num eclipse.


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4 de abr. de 2010

Andando de lancha

Vinha tranquilamente pela Fernandes de Lima, na minha pequena Colégio. Encontrei alguns amigos sob a copa de um pé-de-matafome próximo ao porto das lanchas. Eles conversavam sobre o descaso das administrações das cidadezinhas e para justificarem os erros dessa ou daquela administração, melhor dizendo, da corrupção citaram esta frase desbotada: “O erro vem lá de cima”. Em seguida deram por exemplo Arruda (que não serve para remédio), o mensalão, o Congresso e outras coisas. Eu calado estava, calado permaneci.
A lancha começou a buzinar. Dei até logo, desci a rampa do porto, entrei em uma delas. A pouca distância uma música dita de “Axé” tomava conta daquele espaço. Mas apesar do sol escaldante, a brisa tocava com suavidade a minha pele, fazendo-me pensar a respeito do sistema político, principalmente nas cidadezinhas.
O vai e vem de mandatos não se renovam. As praças continuam as mesmas. Servidores não são valorizados. Quando o gestor é cínico, os médicos atendem os pacientes, transcrevendo a receita em pedaços de folhas A4, as perspectivas dos jovens nem a dos adultos se renovam. As únicas coisas que permanecem são os sentimentos vis, torpes e fúteis dessas administrações, a ganância, o conluio com magistrados medíocres.
O tó, tó, tó da lancha não me roubava às ideias, as reflexões. Afinal de constas, este é um ano eleitoral e de canalhice; até porque os comerciantes deixarão as suas tribunas, fazendo as suas ínfimas visitas as cidadezinhas comprando cabos eleitorais e usando um artifício sem graça e pálido, que é a maldita das promessas.
A minha frente alguém esculhambava a administração local. Coisa que não serve. Imaginei: “Denunciar é um dever de todo cidadão e exigir da Câmara, apesar dos receios. O judiciário inspira dúvidas. A única e sábia solução é no período eleitoral. Aí, dar-se início a um fatigante, mesquinho comércio que mobiliza milhões e muita gente. É aí onde tudo vai se repetir: as reclamações do povo, as esculhambações, os jovens calados, os puxa-sacos vibrando.
Desci da lancha na cidade vizinha com uma certeza única que carrego faz anos: enquanto o voto for tratado como mercadoria, sempre teremos leis péssimas, o SUS um matadouro, um Judiciário “harmônico” e um povo sem esperança...
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24 de mar. de 2010

O livro


Houve um tempo em que eu reclinava a minha cabeça sobre ti. Nos momentos de frio, você cobria com as suas páginas sábias e ardentes meu peito. Quando tinha sede, bebia da sua fonte e dela me banhava para me purificar das impurezas do coração. Com os mais puros e singelos fonemas, vestia a minha nudez. As tuas páginas registram o embrião do mundo e dos homens. Mesmo assim, elas se entrelaçam e neste labirinto as interrogações surgem. Apesar desses minotauros, eu as degusto tranquilamente sob uma árvore. Você é o único de braços abertos no móvel de casa.
Meus Cadernos, 1997.
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27 de fev. de 2010

Oscilação


O vaivém retido nos meus olhos me põe em estado de estátua. Minha aparência de dentro me dá uma face de vários ontens, consumindo-me inteiro.

Ondas se levantam e me sacodem a beira de minhas pálpebras cansadas. Ondas que não vem do mar, mas de mim.

Meu corpo não se importa com a agitação das bocas, das palavras, das pernas exaustas e urbanas... Alguma coisa mexe, se aloja, faz ninho. Minhas são as horas cheias de calma num balanço das ondas…
Meus ouvidos são do ser vestido de carne que ouve apenas os sussurros oniscientes. 
Essa manhã não estou para o mundo.
Lima, Ronaldo Pereira de. Agonia Urbana. Rio de Janeiro, RJ, 1ª ed., CBJE, 2008.
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7 de fev. de 2010

Pequeno, mas maior que o mundo


Eu estava deitado no meu silêncio e uma súbita amiga quebrara-o, assim como eram quebradas as suas lágrimas. Ao vê-la, emudeci, vivi e senti a morte com repugnância e mal-estar.
 
As lágrimas dela tinham uma nobre explicação: seu filhinho, absolutamente seu; saído de suas entranhas e quentes estava adoentado. A sensibilidade daquela pobre mãe invadiu os meus tímpanos, explodindo sob os caibros o desespero, o desequilíbrio, a necessidade. Com veemência que só as mães possuem nesses momentos, ela se dirigiu a outra mãe e disse:
 
— Mulé, me empreste dinheiro para eu comprar remédio pró meu filho. Já fui pró SESP e lá não tem não. Procurei o prefeito e ele nem me deu atenção. Se eu não comprar remédio pró meu filho, ele pode morrer. Ele não pode ficar sem esse remédio. Lhe peço pelo amor que você tem a Deus e a seus filhos que me empreste (Os olhos dela eram duas fontes de amor, carinho, cuidado…).

— É uma pena mulé, mas não tenho. Se tivesse, taria em suas mãos (Minha mãe se comoveu e as lágrimas dela se uniram as da amiga).

E o “não”, vindo da boca e das lágrimas da minha mãe nunca me saiu da cabeça, assim como aquela criança, o criminoso público, a falta de dinheiro. Naquele momento multiplicaram-se por dois o desespero, a angústia e o medo.
 
E foi ali, naqueles instantes que vi uma flor perdendo a beleza e cair de tanta dor. E o número pequeno (seis) foi maior que o mundo.
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