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O problema do amor

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O problema do amor é que as pessoas o fantasiam. O problema do amor é que as pessoas criam imagens e perspectivas do objeto amado. Elas nunca se preparam para a dor. Nunca se preparam para a decepção, como se o amor fosse um estado de graça permanente. O problema do amor é que as pessoas o idealizaram e esqueceram que ele é concreto. E por ser concreto é incompreendido. O problema do amor é que ele é dual. Digo, não é único; torna-se único É de carne e osso. Não é só carne, só osso. São duas carnes, dois ossos. Esse é problema do amor. LIMA , Ronaldo Pereira de. Agonia Urbana. Rio de Janeiro: Litteris Ed: Quártica, 2009.

O troco

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Esquentou, durante toda a manhã, a cabeça por causa da miserável burocracia pública; aborrecendo-se principalmente com as infelizes informações desencontradas que o punha em um estado de nervos paranóico. Após toda essa coisa medíocre, seguiu para uma agência bancária. Nela, esperou na fila com o estômago doendo, a alma e os pés. Somente uma daquelas figuras envelhecida, ouvindo em um celular e cantando aquelas músicas de camelôs piratas o fez rir. Ao chegar sua vez de ser atendido, a bancária nem olhou em sua face. Pediu-lhe o boleto, pôs na máquina para fazer a leitura do código de barras, disse-lhe o valor (que ele já sabia) e o esperou pagar. Com o dinheiro em mãos, calou-se, deu a ele o comprovante de pagamento e chamou o próximo cliente. Sem sair da fila, disse: — Moça, o troco! — Só são R$ 0,20. — Moça, meu troco. Já paguei impostos demais nessa repartição e nem água tem para beber. Quero o meu troco! — Mas eu não tenho aqui! — Mas eu quero o meu

No alto do Cariri

O carro de som convocava, em nome do candidato, eleitores para mais um roteiro eleitoral. As caras saiam estampando adesivos nos peitos e bandeiras, seguindo para o lugar onde costumavam se reunir.  No posto, os caminhões, caminhonetas, vans, ônibus, micro-ônibus e motos iam se amotoando para receber ordens de gasolina. Enquanto eram abastecidos, havia bebida, euforia, batuque, aperto de mãos, vitória certa. Abastecidos, partiram pela BR-101. Das janelas dos ônibus, micro-ônibus, carros populares, caminhões e caminhonetas, eles carregavam estandartes com alegria, regojizo, paixão que, para mais tarde, tornar-se-iam um tormento, uma frustração. Chegaram ao seu destino. Os eleitores desceram, foram por uma senda, atravessaram um riacho de águas da cor da terra, subiram uma ladeira empolgados e eufóricos com a campanha, entraram pela única cancela do povoado; espalhando-se pela pequena rua de barro. No lado direito da rua, a uns cinco metros; havia uma casa de taipa cercada por estacas e

Biana

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Uma boca tão linda Mas cancerígena Uma pele tão suave Mas cheia de fumaça Às mãos tão macias Mas cheias de nicotina A roupa que era tão Mas tão cheia de fumaça A vida cheirando a câncer A fumaça.

Urbano coração

Agonia nos cantos da casa, nas esquinas das ruas, nos ângulos do mundo. O mundo anda, corre, embriaga-se, cambalea no espaço sem rumo;  humilhando corações humanos que não são mecânicos. E os homens, meninos, saem pelados pelas ruas; correm, cansam-se, morrem e explodem de pressão. Por isso, chora, chora Meu irmão no urbano coração. Cadernos, 1996 .

Ladinos

Há pessoas que a sociedade ver como cultas, respeitadas, honestas com as suas coisas, mas quando se trata das coisas públicas elas são desonestas, ladinas, larápias, gatunas. Por isso, ficam no cio, preferem a mancebia da canalhice e da corrupção. E quando elas estão conectadas no mundo político, violentam direitos sociais e individuais sem nenhum pudor para que seus desejos sejam saciados, nem que para isso velhas amizades sejam esquecidas e deixadas para trás; tornando-se verdadeiros sepulcros caiados, expressados com o velho tapinha nas costas. Quando contrariadas, costumam observar seu opositor de soslaio. De uma forma ou outra procuram macular a imagem daquela ovelha que se tornou negra, pelo simples fato de não mais compactuar de ideias vis e gatunas. Agarram-se a prepotência, impondo-a no andar e dizer quando se depara com aquele que se tornou seu desafeto. Só que essas infelizes esquecem que são empregadas eletivas. Para elas todos tem que fazer parte das coisas da “família”, p

Mendigo na feira

Estávamos em um bar rindo e olhando as garotas passarem. Um mendigo passou, mas ele resolveu dar meia-volta e parou diante de nós. Meio capenga, movia-se ao som da música nos fazendo rir. Ele pediu uma dose de cachaça e ficou porali. O dono do bar amarrou logo a cara em alguma parte do bar onde era impossível de ser visto.  Ele se aproximou, pegou-lhe pelo braço e o pôs para fora feito cão sarnento. No outro lado da rua as bolsas iam e viam. O pirata, com seu som estridente, tocava uma brega. Movido pela música, o mendigo dançava com uma parceira invisível, fora de ritmo; expondo um riso cariado. Algumas pessoas riram, outras o desprezavam, enxotando-o.  Depois das risadas e do desdém, a esmola veio de costume: magra, áspera, fria, vazia; tornada apenas um hábito por causa das ideias cristãs. E ele seguia seu caminho abraçado com Dionísio, escárnio e ruindade.