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O livro

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Houve um tempo em que eu reclinava a minha cabeça sobre ti. Nos momentos de frio, você cobria com as suas páginas sábias e ardentes meu peito. Quando tinha sede, bebia da sua fonte e dela me banhava para me purificar das impurezas do coração. Com os mais puros e singelos fonemas, vestia a minha nudez. As tuas páginas registram o embrião do mundo e dos homens. Mesmo assim, elas se entrelaçam e neste labirinto as interrogações surgem. Apesar desses minotauros , eu as degusto tranquilamente sob uma árvore. Você é o único de braços abertos no móvel de casa. Meus Cadernos, 1997.

Horasão

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Nesse exato momento a horasão do relógio não impede que alguém passe à noite com o estômago vazio. Nesse instante de segundos, alguém está no relento namorando o frio colchão da rua. Nesse exato momento o relógio não se cansa das preces. Preces de morte, de loucura, de estrelas fugitivas... Nesse instante alguém não percebe a folha caindo, nem uma criança, um velhinho ou uma perdida bala. Nesses momentos, instantes nus de uma horasão sem cor; o fiel cristão do tempo, da vida ora alegre, ora triste. Hora tão banal, hora tão medíocre. E a horasão do relógio não recomendou a alma do morto a Deus. Meus cadernos, 1997.

Oscilação

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O vaivém retido nos meus olhos me põe em estado de estátua. Minha aparência de dentro me dá uma face de vários ontens, consumindo-me inteiro. Ondas se levantam e me sacodem a beira de minhas pálpebras cansadas. Ondas que não vem do mar, mas de mim. Meu corpo não se importa com a agitação das bocas, das palavras, das pernas exaustas e urbanas... Alguma coisa mexe, se aloja, faz ninho. Minhas são as horas cheias de calma num balanço das ondas… Meus ouvidos são do ser vestido de carne que ouve apenas os sussurros oniscientes.  Essa manhã não estou para o mundo. Lima, Ronaldo Pereira de. Agonia Urbana. Rio de Janeiro, RJ, 1ª ed., CBJE, 2008.

Pequeno, mas maior que o mundo

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Eu estava deitado no meu silêncio e uma súbita amiga quebrara-o, assim como eram quebradas as suas lágrimas. Ao vê-la, emudeci, vivi e senti a morte com repugnância e mal-estar.   As lágrimas dela tinham uma nobre explicação: seu filhinho, absolutamente seu; saído de suas entranhas e quentes estava adoentado. A sensibilidade daquela pobre mãe invadiu os meus tímpanos, explodindo sob os caibros o desespero, o desequilíbrio, a necessidade. Com veemência que só as mães possuem nesses momentos, ela se dirigiu a outra mãe e disse:   — Mulé, me empreste dinheiro para eu comprar remédio pró meu filho. Já fui pró SESP e lá não tem não. Procurei o prefeito e ele nem me deu atenção. Se eu não comprar remédio pró meu filho, ele pode morrer. Ele não pode ficar sem esse remédio. Lhe peço pelo amor que você tem a Deus e a seus filhos que me empreste (Os olhos dela eram duas fontes de amor, carinho, cuidado…). — É uma pena mulé, mas não tenho. Se tivesse, taria em suas mãos (Minha mãe se

Voto não é mercadoria

Eu sou do tipo que condeno o comércio eleitoral por entender que só causa malefícios a população e procria falsários, larápios, gatunos. Essa de culpar o povo porque ele vende o seu “poder” é uma ladainha da imprensa, dos incautos e dos politiqueiros cansados com a sua própria prática estúpida que os impedem de cumprir o dever de “representar o povo”. O que ocorreu e ocorre é que o voto perdeu a sua função política, social, ética, moral; tornando-se um bem material, comercializável, pechinchado; o que nos causa vergonha. Para compreender com maior clareza, faz-se necessário voltar nossos olhos para a fonte primária, isto é, os municípios. Tudo tem início nos municípios, por meio de cabos eleitorais e vereadores. Esses profissionais do comércio eleitoral entendem que o voto é matéria-prima negociável, lucrativa, devendo ser repassada para frente no tempo certo e na hora certa. Essa negociação se intensifica nos períodos eleitorais, tornando-se uma mercadoria mais cara. O que na verdade

Não seja parceiro da corrupção

A política, feita corpo a corpo, contraria toda e qualquer compreensão sobre o eleitor, sua opinião sobre o voto e como ele encara a corrupção. A política do corpo a corpo é aquela em que os candidatos deixam as tribunas e gabinetes e se defrontam com os eleitores. Neste confronto, tanto um como o outro, estão dispostos a negociarem. O primeiro sabe que a prática é criminosa, mas se não o fizer não obterá voto e o seu adversário político fará a negociação. O segundo, eivado de vícios, estará disposto a vender, a trocar o voto porque não possui perspectiva de vida, nem de melhorias para o seu município; porque vê os políticos enriquecerem, os corruptos impunes, a Justiça se omitir e a corrupção ser escancarada nos jornais e telejornais de todo o Brasil. Infelizmente, a maioria dos eleitores não vota pela competência do candidato, pela responsabilidade, por mudanças sociais. Parte dessa maioria não busca saber nem sequer a vida pregressa do seu candidato e, a outra parte, dita mais “cult

A minha caixinha de música

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A minha caixinha de música Não entrou para o ouvido. Hoje mesmo ela tocou uma acústica Lá do alto ao meu ouvido. Daí de cima a tua harpa, Em escala musical, me atravessou como uma farpa Com tua canção maternal. Mãe, por que você olha mesmo Pra este filho ingrato, Que faz poemas tão feios Indizíveis, chatos Cheios de rodeios Para o teu seio etéreo e nato?   LIBERATO, Wellington. Et all. Minicoletânea de Escritores Colegienses . Opção 2: RS, 2003.