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A existência que dói

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Era visível no olho esquerdo uma remela esverdeada. A face, abatida, expunha a dor, a tristeza contida no peito. O lado direito perdera o movimento por causa de um derrame. Não costurava mais, não lavava a louça, nem punha na mesa o café para os filhos e para o esposo. Aquilo traspassava a sua alma e a reduzia a infelicidade. As lágrimas, companheiras de sempre, não mediam esforços para torná-la ridícula para os incompreensivos. E não eram só as lágrimas que entrou em sua vida, mas os antidepressivos, a impaciência e o murmúrio. Mas, em meio a essa "tempestade", sobrevivia com poucas e nobres lembranças que não voltam mais.

Abrir e fechar o dia

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Hoje fui acometido por uma insônia miserável. Volvia-se sobre o colchão e os meus olhos viam pontinhos luminosos na escuridão. Os grilos se foram, os pardais pipilavam e abriam o dia. Um montão deles era um coral. Eu não fiquei para trás, abri também o dia com as orelhas e da minha cama vi um dia diferente com nuvens espessas e paradas. Os primeiros raios de ressaca surgindo com uma preguiça própria do céu. Olhos começaram a se abrir, mãos começaram a lavar os rostos. Os primeiros movimentos saem na rua, algumas portas se acordam e para a rua. Os pardais se espalham em vôos diferentes e buscam na variedade do cardápio o dia. Saem assim como o homem para a vida. Mas, eu fico coberto com o lençol e os  meus olhos estão pesados. Um friozinho está nos cantos do meu quarto, menino sapeca, sorrateiro. LIMA, Ronaldo Pereira et all. Ritmo Vital: contos, poesias e crônicas. São Paulo, Edições AG, 2007.

A menina que passa

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Lá vai a menina que passa E os meus olhos que pregam uma peça em frente da praça Lá vai todo o encanto Que é livre quando canto ao meu amor E todos olham na praça Que eu, passo a passo, vou com pressa. Lá vão os meus pensamentos Todo mágico, todo humano Que foge e se abafa de tanto lamento Lá vai o meu sorriso com o vento Com cara de bento E uma angústia por dentro Lá vai, lá vai e as minhas lágrimas Não vão, e você menina, lá vai. Lá vou eu, Com a menina que passa, As mãos que passam e os pensamentos que montam uma peça No meio da praça. Não me peça menina que passa, a minha face E todos te olham e me olham. Mas entendam: ela é a menina que passa com muita pressa pela praça (LIMA, Ronaldo Pereira de et all. O lugar da poesia e da prosa: Antologia , pp. 22-23. Rio de Janeiro: Taba Cultural, 2008).

Céu plúmbeo

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O céu estava plúmbeo. No outro lado do rio, uma nova croa apareceu; entristecendo os corações dos ribeirinhos. Uma canoa passou melancólica e solitária. Desci a rampa do porto das lanchas. Dentro de uma delas, olhei no visor do celular. Estava atrasada cinco minutos . Foi dado partida no motor . A lancha saiu de ré, auxiliada por um caibro roliço. Diante de mim, vestido à Caruaru, um jovem de uns vinte e cinco anos tentava nos esconder a face e os olhos sob a aba do boné branco. Era como se ele estivesse nos escondendo algo, receando que a gente desconfiasse ou descobrisse. A brisa suave e fria batia nossas faces e as águas, as poucas e cansadas águas do pobre Chico receberam as primeiras gotas do céu. O vento, malinando sobre a face das águas, formavam pequenas marés. A lancha se balançou e uma senhora, no fundo, estava aflita. Próximo a ponte, apesar da distância, notávamos a imensa ilha com currais que servem para pequenas criações de gado bovino. Ilha esta qu

Por que tenho que ler

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Ler é um ato homólogo ao de pensar, só que com uma exigência de maior complexidade, de forma crítica e desautomatizada. Quem não sabe pensar mal fala, nada escreve e pouco lê. Eliana Yunes. Ler não é simplesmente deslizar os olhos sobre letras, orações, parágrafos e páginas. É assimilar, compreender.   Não é apenas visualizar com a mente o objeto lido. É interiorizar conhecimentos e se tornar um ser mais, como nos ensina o educador Paulo Freire. “Ser mais” é ter consciência crítica. É participar do mundo e de suas transformações. Quem lê organiza e reorganiza ideias, fortalece o senso crítico e através dele opina, interage com o mundo ao qual está inserido.

Meninos de algodão

Pense nos meninos rotos Que sonham com bolas douradas Pensem nos raimundos Que sonham com algodão doce Pensem, pensem Olhem quanto doce branco há no céu Olhem para os meninos Que não tem céu Pensem na bola que rola Nas bolas douradas de sorvete Que bóiam no céu Olhem para o raio do mundo Meninos no corpo, mas pés no chão (LIMA, Ronaldo Pereira de Lima. Agonia Urbana . Rio de Janeiro, CBJE, 2008)

Fragmentos

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O rádio toca, os carros passam.  Debaixo do teto as pessoas conversam, a lagartixa aparece na parede branca. A cozinheira faz à comida...  A família janta. As formigas bebem água. Sem causa ela briga, irrita-se. As formigas se cumprimentam. Enquanto escrevo, uma delas passa sobre as minhas palavras. A pequena não sabe ler. Isso deve ser considerado. A família, ainda na mesa, palita os dentes e O mosquito rouba  sangue.