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A pressa e a prece

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Olhou para o relógio azul de ponteiros vermelhos e números pretos que estava na parede branca da casa. Quando se deu conta, as horasões contínuas estreitaram seu tempo, fazendo-a apressar o coração, os passos e a ansiedade. — Já vai mulé? Tá cedo! — Tenho que ir. Tenho umas coisas para cuidar. — Obrigado pela visita. Quando vem passar um final de semana com a gente? — Qualquer dia desses. Quando sobrar um tempinho eu apareço. — Minha amiga, não se torne uma xepa. Para que tanta correria. A vida estar passando e é tão curta. Sua correria vale a pena? Pense um pouco nisso. — Não se preocupe. Próximo ano estarei mais aliviada. Se Deus permitir, a gente ainda vai se ver muitas vezes, colocar os assuntos em dia e relembrar as nossas andanças de solteirice.   — Tchau!   — Tchau! E  o relógio simplesmente continuou com o seu tique-taque e Maria fechou a porta pela última vez para a amiga, lembrando-se da pessoa alegre que era, mas sempre apressada, tomando aquele café

Mover e mover

Era café e leite no assento da praça Com carícias e beijos afogueados Sob o sol fatigante Envolvidos e abafados no tempo. Noutra parte o mundo se movia Com as palavras, com os pés, Com os gestos, a respiração, o riso E o coração. O mundo se movia nesta parte e noutra Com o barulho, com os sons, Com o vento, as folhas, as mãos Na minha vista.

Dualismo entre as vassouras

Esses dias, por meio das redes sociais, parte da sociedade se mobilizou para protestar contra a corrupção. Essa mobilização ficou conhecida como a manifestação anticorrupção. Toda e qualquer tipo de manifestação dessa natureza é válida, mas imatura porque vivemos um dualismo eleitoral . Não se pode fazer reivindicações de valores e de direitos quando no seio delas há contradições. Explico: recentemente a pesquisa da Fecomércio – RJ revelou que as classes que mais consomem produtos piratas são as A e B . Ao invés dessa sociedade se organizar e exigir que os impostos dos produtos originais sejam diminuídos, prefere praticar conscientemente o ilícito. Essas mesmas pessoas enchem a boca para criticarem com veemência os atos de corrupção. Tanto a pirataria como o comércio eleitoral é uma prática visível e presente em todas as classes sociais deste país. Se formos fazer uma lista do dualismo eleitoral praticado pelos eleitores, principalmente no período eleitoral e pós, não caberia nesta p

Sophós e o chinelo de dedo

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Estava Sophós observando as nuvens se tornarem farrapos e o sol cagando para o mundo. Neófito apareceu, dispersando as suas reflexões. Sophós permaneceu em silêncio, intensificando a palidez da face dele. Sem desistir, principiou este diálogo: — Sophós, estava eu pensando a respeito da palavra crente e resolvi perguntar a Aurélio. Ele me mostrou vários significados, mas foi o de sentido religioso que mais atraiu a minha atenção. Você, o que diz a respeito disso? — Ora Neófito, a gente deve ouvir a opinião dos outros, acreditar nela ou duvidar. Quando a gente duvida, devemos procurar outras opiniões. Nessa busca a gente rejeita ou aceita ideias previamente estabelecidas. Recomendo que sempre esteja atento ao que se passa em sua cabeça e que sempre duvide, busque as opiniões, investigue e formule as suas próprias. Analisemos, por exemplo, a palavra crente: se ela for precedida de um determinante será substantivo, significando aquele que acredita. Mas quando essa palavra qu

O Diabo quer língua nova

Às fofocas são repetitivas que nem o Diabo quer, já que ele é o pai da mentira. Tão repetitivas são que nem para sacrifício serve.

O menos pior ou quem dar mais

A paranoia se instala nos assentos. Neles, ela discorre livremente. Às vezes com intensidade e outras com breves intervalos opinando sobre esta ou aquela possível coligação. Os paranoicos tratam do perfil do candidato pondo como elemento essencial e indispensável o dinheiro; instrumento capaz de organizar e manter um grupo político (bases aliadas) para disputar as eleições, sem levar em conta as vidas pregressas dos pré-candidatos muitas vezes citadas de forma amena, aceitável. Assim ficam os montículos de “cientistas políticos de chinelo de dedo” especulando, decidindo o rumo da eleição, tendo certeza que: quem dar mais tem condições de formar um grupo político mais robusto, capaz de disputar e ganhar uma eleição; restando apenas o menos pior , com pouco dinheiro, com esperança que os eleitores enganem o candidato que dar mais e votem contra. E não é só isso que acontece nesses encontros paranoicos. Há os revoltosos que não voltam em ninguém, os que se sentem ofendidos porque este

Na boquinha da garrafa

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Eram três os que na lancha entraram. O primeiro carregava bolsas plásticas contendo quinquilharias, o segundo trazia na mão esquerda uma garrafa de pinga e o último trazia moedas em uma das mãos. Sentaram-se no banco de madeira. Conversavam algumas coisas, balbuciavam outras, entre risos e irritação. O homem que segurava as moedas se dirigiu para o mais jovem do grupo. Alterado, disse-lhe: —O que você tá dizendo, seu porra? Caralho! — Nada não. Tá doido é? Aquele que segurava a garrafa interferiu, dizendo: — Vamo pará com essa arenga besta. Seus dois bestas! Vamo toma é mé. Pegou a garrafa, tomou um gole, passando-a de mão em mão; retornando as suas conversas com frases e gestos curtos. Somente a garrafa, com sua boca circular e áspera, aceitava aqueles beijos bacanais. O restante dos passageiros deixou as estripulias deles prá lá, voltando-se cada um para seus estados de espírito. Os rostos eram tão diferentes, as histórias psicossociais, os sof