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Correndo do amor

Sentada no banco da praça e de cabeça baixa, soluçava. O soluço era resultado de uma paixão inacabada que a punha numa situação dolorosa. As lágrimas desciam impetuosas pela face e a mente se metia em confusões, as malditas confusões.   A única coisa que conseguiu naquele momento foi desejar alguém por perto, algum amigo para lhe afagar, doar uma palavra de carinho, conforto. Mas as lágrimas, as infelizes lágrimas era quem lhe faziam companhia. Ah, que triste companhia que alguém pode ter num momento como este! Sentiu uma mão tocar seu ombro. Assustou-se! Sem olhar para trás, nem pensar duas vezes, levantou-se com pressa e saiu correndo. Corria, corria e já não sabia por que corria. O homem que a tocara sentou-se no banco esperando-a porque sabia que ela voltaria no meio da noite. Então ele riu para si, ria para o silêncio, ria apenas. PORTO LITERÁRIO, ANO II – N.º 54 – DE 06 OUTUBRO - 2003.

Círculo da morte

Um bem-te-vi estava entre galhos. Anunciava que viu, mas não dizia o quê. Os galhos balançavam, as folhas farfalhavam com as malinações do vento (Bento). A relva estava verde e o sol espalhava-se sobre ela em gotas de orvalho. Um pardal pipila e voa, sendo substituído por um voo circular sob nuvens branquérrimas e um céu anil. Então as minhas pálpebras se quebraram nesse dia.

Fundo de quintal

Procurava um amigo e o encontrei numa escola dialogando com colegas de trabalho. Dei bom dia, ofereci amendoim que carrega em uma das mãos, sentando-se em seguida numa dessas cadeiras escolar abandonada. Em silêncio, ouvia quando um deles acusava a Câmara de ter vivido um caso de mancebia na gestão anterior, alegando que: “quando os vereadores são do mesmo grupo político do prefeito, não há administração; mas esculhambação em conluio com a Justiça”. Outro, mais reflexivo falou: “a oposição é muito útil para a democracia”, calando-se. O diálogo entre eles continuava, tornando-se quase conversa. Cada um expunha suas ideias e opiniões sobre o atual sistema político, apontando com os dez dedos das mãos para os políticos; demonstrando uma opinião formada pela mídia. Permanecendo como estava nada dizia; até porque aquele diálogo-conversa me causava angústia, já que os ouvidos nunca se cansam nem se fartam os olhos. Observei o entendimento superficial que alguns deles faziam daquele assunto,

Mensagem para uma inscrição

Imagem
Quando você for ao monte contemplar Este mundo triste dos vivos Você seguirá voando pelos penhascos sem Ponte, Com sua asa, sua dor, seu sorriso Toca seu banjo, sua harpa Sua flauta seu flautim seu violão Toca a guitarra seu teclado seu piano Ou qualquer misterioso instrumento de anjo Só não se sinta triste Quando eu tiver chorando você. É porque você existe, E eu morro de vontade de lhe ver de novo, MÃE. Wellingto Liberato dos Santos

A espera de um candidato

Mauro estava de pé. Com o celular abaixo do queixo, fazendo gestos como se estivesse num palanque ou tribuna. Era branco, cabelos lisos e sedosos. Carregava no rosto vestígios da adolescência. Eram espinhas fossilizadas. Calçava tênis e vestia jeans. Falava de promessas e algumas pessoas o rodeavam, enchendo o coração e as cáries de alegria - Um menino passou de lado, catando as latas de refrigerante e cervejas que nós havíamos bebido. O vento fazia pequenos redemoinhos de poeira, fazendo os cílios se encontrarem para proteger às córneas. Zuuuuummm...  Uma carreta passou pela BR e Mauro falava, falava na ponta dos pés, voltando-se para uma plateia magérrima. Alguém passou, pôs a mão no meu ombro. Eu o respondi com um sorriso contido. Biro se aproximou, estendeu aquela mão grande e fria. Demorou um pouco e depois saiu à cachorro.  Saímos.  Dentro do carro Ademir falava com gosto e alegria, contente de coisas pálidas. O rosto dele era redondo, nariz afilado, bojudo e usava óculos. Chegam

João sem São

É tempo de João, de prece e de Gonzaga. É tempo de bomba, chuvinhas, milho assado. É tempo de cavalgada, de rostos pintados, de arrasta-pés. È tempo de fumaça, de olhos ardentes, de poluição. É tempo de cheirar a fumaça, de beijar na fumaça, de beber na fumaça. Esse é um dos tempos no tempo.

Desencontro

A menina não saiu no meio da noite. Ela fugiu com o sonho na boca e não voltou mais. Encheu a boca de orvalho e foi de cara nua… A menina que parecia solta, foi levada pelo encanto de sua sombra ao pé de um poste. A rua, naquela noite, não a quis mais. Amanhã é outro programa.