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A espera de um candidato

Mauro estava de pé. Com o celular abaixo do queixo, fazendo gestos como se estivesse num palanque ou tribuna. Era branco, cabelos lisos e sedosos. Carregava no rosto vestígios da adolescência. Eram espinhas fossilizadas. Calçava tênis e vestia jeans. Falava de promessas e algumas pessoas o rodeavam, enchendo o coração e as cáries de alegria - Um menino passou de lado, catando as latas de refrigerante e cervejas que nós havíamos bebido. O vento fazia pequenos redemoinhos de poeira, fazendo os cílios se encontrarem para proteger às córneas. Zuuuuummm...  Uma carreta passou pela BR e Mauro falava, falava na ponta dos pés, voltando-se para uma plateia magérrima. Alguém passou, pôs a mão no meu ombro. Eu o respondi com um sorriso contido. Biro se aproximou, estendeu aquela mão grande e fria. Demorou um pouco e depois saiu à cachorro.  Saímos.  Dentro do carro Ademir falava com gosto e alegria, contente de coisas pálidas. O rosto dele era redondo, nariz afilado, bojudo e usava óculos. Chegam

João sem São

É tempo de João, de prece e de Gonzaga. É tempo de bomba, chuvinhas, milho assado. É tempo de cavalgada, de rostos pintados, de arrasta-pés. È tempo de fumaça, de olhos ardentes, de poluição. É tempo de cheirar a fumaça, de beijar na fumaça, de beber na fumaça. Esse é um dos tempos no tempo.

Desencontro

A menina não saiu no meio da noite. Ela fugiu com o sonho na boca e não voltou mais. Encheu a boca de orvalho e foi de cara nua… A menina que parecia solta, foi levada pelo encanto de sua sombra ao pé de um poste. A rua, naquela noite, não a quis mais. Amanhã é outro programa.

Receitas A4

Euforia, paixão, gritos estrídulos moviam-se no calor das passeatas de rua em rua. As bandeiras são verdadeiros estandartes. Os eleitores quando se deparam com pessoas de outro grupo, as recepcionam com vaias e os mais afoitos com gestos obscenos. O líder nada faz, mas demonstra certo sarcasmo. Passada essa fase de comícios e pede-pede de votos, chega a semana da eleição. Os grupos se reúnem para traçar os pontos estratégicos do comércio eleitoral. Os líderes convocam os cabos eleitorais, discutem o que deve ser feito e começam agir, geralmente na calada da noite feito ladrão. Mas são os últimos três dias da eleição que as coisas acontecem e esquenta. As pernas dos eleitores são substituídas pelo frenesi dos pneus. São uns atrás dos outros para “impedir” a compra e troca de votos.   No dia as coisas aparentemente são calmas. A polícia, o MP (quando não escolhem um grupo) ficam na espreita tentando muitas vezes impedir a famosa boca-de-urna. Mas o vício é miserável e muitas vezes difíc

Ao meu corpo que foi de pó

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Foi a palavra na ponta dos dedos. Foi a briga do peito, a espada das incertezas... Foi o esqueleto na ponta dos pés, as mãos tocando as árvores, a fruta que o intervalo chamou. Foi a serpente de cima de uma árvore, a luz que surgiu, os olhos que se abriram. Uma coisa nova surgiu, na calma e na alma.O céu parou, o livro se abriu, as portas se fecharam e um novo mundo surgiu.

Dia, depois noite

É dia. Levadas pelo vento, elas se mesclam ao anil do céu. O sol, por sua vez, esbanja-se pelas ruas, calçadas. Depois vem a noite, sem nuvem alguma; mas carregada de estrelas. Mas de repente as nuvens mudam de cor, os trovões surgem, os relampagos fazem faltar energia, Mimi foge para debaixo da cama e Zeinha se assusta, dizendo que o coração palpita na boca.

A vela

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A vela só é vela enquanto não acesa. Depois de acesa, o pavio alimenta a flâmula. Depois, logo depois, o pavio se vira e apaga-se; as trevas recaem como no último fôlego e a chama sai sem pressa numa fumaça. Ela se foi e outra se acendeu.