6 de abr. de 2019
14 de mar. de 2019
A pequena e a grande corrupção
Em um de seus livros, Plínio de Arruda Sampaio disse que [1]há dois tipos de corrupção, a grande e a pequena; mas que as duas são igualmente perniciosas e imorais, mas que não podem ser combatidas da mesma maneira.
A grande corrupção, mencionada por Plínio, é a que aparece no estardalhaço midiático envolvendo governos federal, municipal, estadual, distrital, políticos, servidores, particulares e heróis que não são de gibis, mas dos que somente enxergam a corrupção do outro.
Não é objeto deste artigo destaca-la, pois, a grande mídia se encarrega de fazê-la; utilizando-se da opressão publicitária, mexendo com os sentimentos alheios, fazendo muita gente acreditar em meias verdades. Foi assim com Lula, a prisão coercitiva e agora com a pirotecnia do powerpoint de Dallagnol.
Irei, no entanto, me ocupar da pequena corrupção, especificamente aquela que está entrelaçada ao contexto eleitoral, seja em campanhas ou em mandatos. Ela é ignorada pela grande mídia, pelo Judiciário e pelas instituições. Ignorada porque nada se faz de forma efetiva e eficaz para combatê-la.
Eu costumo chamar a pequena corrupção de comércio eleitoral. Ela é a espinha dorsal da grande corrupção, isto é, o que se pratica nos municípios do nosso país, de forma intensa ou não. Ele é caracterizado pela troca de voto por bens tangíveis (espécie de escambo), intangíveis (favores) e pela compra de voto (quando o eleitor prefere em espécie). Em minha escrita costumeiramente denomino esse conjunto de comércio eleitoral. Muitos justificam essa prática alegando que “o erro já vem de Brasília”, esquecendo-se que os que estão em Brasília não são eleitos por si.
É necessário que aqueles que queiram mudança procurem compreender o funcionamento do sistema, deixando de lado as ácidas críticas que para nada servem, e servem: para distanciar cada vez mais o cidadão de exercer os seus direitos políticos e dar espaço para coisas que acontecerem este ano, por exemplo, o dia 17 de abril.
Precisa o eleitor brasileiro fazer uma releitura da forma como o político é eleito. E essa releitura deve ser feita partindo do comércio eleitoral de base. Não é revoltando-se, esquivando-se que a coisa vai mudar. Não é discriminalizar a política, partidos, pessoas que as coisas serão resolvidas.
Precisa acabar com essa mania de enxergar a Política a partir das tribunas, das matérias de jornais, revistas, blogs e outros meios; fazendo dela inimiga da sociedade. É necessário conhecê-la na prática para que não se dê espaço para regimes ditatoriais e fascistas.
A mudança tem que vir da base e a base são os municípios, matrizes de todos os candidatos. E o que é que precisa ser mudado? As pessoas. Estas precisam mudar a forma de escolher. Enquanto essa mudança não acontece, as páginas impressas e online sempre trarão a prática da corrupção para as nossas vidas, expondo como muitos dos eleitos tratam-na com naturalidade e o povo com desdém.
É preciso espalhar uma maneira nova de pensar a política, não a partir do que nos oferece a grande mídia e os seus interesses escusos, mas a partir da realidade de cada município. Enquanto isso não acontece, é ilusão achar que “Todo poder emana do povo”.
Os especialistas em suicídio
Tenho lido com certo desconforto “especialistas” que aparecem nas redes criticando de forma agressiva e desumana pessoas que cometeram suicídio ou estão depressivas.
Pessoas que se comportam dessa forma são insensíveis, tolas, prepotentes. Não desenvolveram a empatia, nem fizeram leituras aprofundadas dessa melancólica condição humana.
Ninguém é suicida de um dia para o outro. Tudo tem uma origem, um meio e um fim. As causas que levam uma pessoa ao suicídio são complexas, envolvem muitos aspectos da história psicossocial dela.
Quando você ouvir ou ler coisas negativas tratando desse assunto, não seja um ventríloquo, nem dê importância para elas. O melhor caminho é compreender. E só se compreende estudando, perguntando a quem de fato se dedica ao tema.
Eu, que não sou especialista, nem me atrevo a ser nas redes; li a Inteligência Multifocal do Dr. Augusto Cury e ampliei o meu entendimento sobre o suicida. As pessoas que se acham, que se sentem uma fortaleza, que vociferam sobre isso; deveriam pousar suas línguas, seus pensamentos. Refletir sempre é bom para a alma e o corpo.
11 de mar. de 2019
Pássaros do entardecer
Hoje
estive com Saracura, da Academia Sergipana de Letras, para discutirmos
sobre o seu novo livro, "Pássaros do Entardecer" (título
provisório). Um cheio de belas histórias dos migrantes
itabaianenses, simbolizado pelo "caixão de Europas". Uma
leitura humorada e ao mesmo tempo, séria. Recomendo!
Saracura e a família Marron |
Revendo trechos do livro "Pássaros do Entardecer". |
21 de fev. de 2019
Clara e o cais
Eu
me levantei do
batente de casa,
peguei o boné, botei-o
na cabeça e
saí.
Quando ia na calçada da vizinha, ouvi uma voz fraca perdida e os fonemas se que espalhavam ao
vento.
Era
Clara que
evocava
o
meu nome.
Assim
que se aproximou, cumprimentou-me com um sorriso. A
boca, avermelhada
de batom e
as
pestanas arqueadas, estavam abertas para a vida e
o amor.
Peguei em sua mão. Era cetinosa. Convidei-a para tomar sorvete. Ela
topou, sem
objeção.
Depois
do sorvete, ela se ia rebolando. Os seios, túmidos, arrancavam olhares
dos curiosos. Faceira, ia solta pela rua. Os cílios dos curiosos só
pararam de pousar depois que ela sumiu completamente na esquina da
rua.
E da
esquina ela foi na ponta dos pés toda clara para a beira do cais.
Ela gostava de ver as ondas. Neste dia, Clara
saiu para o amor e
não para as ondas.
O amor que fica no cais. Mas
nesta noite a bela se apagou. Ninguém sabe quem roubou a sua luz.
Lembro-me
da doçura de Clara
quando mexia com os meus olhos e meus pulsos. Quando
aquela boca cetinosa se abria
para a minha, avermelhada,
dona de mim. Ela, a quem eu dedicava meu pequeno amor, agora,
estava
em
alguma seção policial levada pelo vento.
1 de jan. de 2019
A entrevista
Eu toquei a campainha. Ninguém
veio me atender. Então, notei que a porta estava entreaberta. Entrei
silente, dei alguns passos e avistei o professor Lorenzo numa
confortável poltrona. De face serena, degustava com ímpeto o
cigarro e um livro. Nem se importava com a minha presença. Após
alguns minutos, disse:
— O que o
traz aqui?
— As suas
teorias, professor.
— O que
quer saber?
— Sua
opinião sobre os
últimos acontecimentos políticos?
— Ora, os
últimos acontecimentos políticos refletem uma
sociedade que não sabe escolher. De uma população eleitoral
dualista e doente.
— O senhor
poderia ser mais claro sobre o que seriam essas “escolhas ruins”
e essa “população dualista e doente”?
— É
claro! A população eleitoral escolhe de forma ruim quando mercadeja
o voto ou quando vota com raiva e por picuinha. Não leva em conta a
vida pregressa dos candidatos, nem se dar conta que eles são
empregados eletivos, inscritos na Previdência Social. É dualista
porque exige ética, moral, justiça, combate a corrupção, mas
compram objetos piratas, baixam músicas, filmes, livros, software
protegidos por direitos autorais e não se incomodam com isso,
valendo-se de vários pretextos para justificar as suas práticas
ilícitas. Sem falar que no período eleitoral mercadejam o voto.
— Nesse
caso o eleitor brasileiro é um cidadão contraditório, que não
aprendeu a exercer de forma adequada a cidadania. É isso que o
senhor quer dizer?
— Isso mesmo!
— É
necessário que essa população repense as suas práticas, seus
conceitos e vícios. Entender uma coisa simples: eles não são
eleitos por si, nem pelo poder que
emana do povo.
Eles são eleitos pelo poder
econômico.
Eles não representam ninguém e representam a si e os seus
financiadores. Por isso, tantos escândalos. Por isso o impeachment
e
tudo o que ele representa.
— Eles
“não são eleitos por si”, mas “pelo poder econômico”.
Quais os verdadeiros significados dessas frases?
— Eles não
são eleitos por si porque existem eleições a cada quatro anos. As
“escolhas” são dos eleitores num suposto “poder” que vem do
povo. O problema é que o voto da maioria não é coletivo, mas
individualizado, mercadejado. Isso é demonstrado através do poder
econômico onde o voto é simples mercadoria. Essa coisa de querer
solucionar os problemas enxergando as tribunas, formular opiniões a
partir de revistas, jornais tendenciosos, violência é um grave
erro. O eleitor deve formular seus conceitos políticos observando o
espaço onde ele vive e interage. Para isso é necessária uma
reeducação política.
— O senhor
não acha que está trazendo a culpa e responsabilidade para a
população eleitoral de todos os males que vêm acontecendo neste
país, quando na verdade as classes dominantes sempre negaram aos
cidadãos o direito a educação, a saúde e outros serviços
públicos relevantes?
— Esse
argumento é válido em parte
porque o voto é mercadejado em todas as classes, por diferentes
níveis de escolaridade. Por exemplo: o que faz um estudante de
direito fazer esquerdo, isto é, estampar, pedir voto para um
candidato cuja vida política é fraudes e mais fraudes? Veja esses
movimentos que se apresentam anticorrupção, mas dos outros.
— Professor,
sabemos que parte da população vive em condições precárias e, na
maioria das vezes, torna-se o bode expiatório quando o mandato é
ruim. Essa população precisa ser resgatada para que de fato, exerça
a cidadania. Como resgatá-la politicamente?
— Conhecendo-as,
indo aonde elas estão. Ouvindo as suas angústias. Criando núcleos
permanentes de reeducação
política.
— E como seria esses Núcleos
de Reeducação Política?
— Esses núcleos só seriam
possíveis se houver um esforço gigantesco da sociedade civil
organizada não alinhada ao pensamento neoliberal, criando práticas
pedagógicas para reeducar as crianças a partir do ensino
fundamental das escolas, sendo um contraponto aos vícios que elas
trazem do seu convívio social.
— Para concluir esta
entrevista, o senhor tem algo para acrescentar?
— Eu quero
deixar claro o seguinte: eu não estou levantando um estandarte para
as práticas ilícitas, mas questionar o eleitor que critica, cobra;
depois barganha, depois reclama, depois compra produtos piratas,
baixa filmes, músicas e pratica outras coisas ilícitas e percebe
que eles são o espelho de quem os elege. Será que iremos justificar
a prática da corrupção recorrendo a um discurso histórico que não
mais convence? Ou a Freud, como tem gente apontando nessa direção?
E a minha contribuição para o
combate efetivo da corrupção é a criação desses núcleos. É
claro que o efeito não virá de um dia para a noite, mas trará
resultados positivos. Acredito nas crianças e na capacidade de elas
aprenderem que o voto é um bem intangível e por isso, não deve ser
tratado como bem de consumo.
Me calei.
Sem argumento, agradeci pela entrevista, estendi a mão para ele e
fui com a certeza que aquele homem me fez repensar as minhas
opiniões. E tem mais: não havia mácula na vida dele, nem era
simpatizante de algum partido político.
17 de nov. de 2018
Assim que ele se foi, eu também me fui
Uma criança de
cabelos crespos, sem camisa e de short
preto sacudiu o meu braço, me pediu moedas, fazendo-me abrir os
olhos. Aquela criança barriguda, de braços finos, descalça e com
uma remela no olho direito; fez-me perceber pela primeira vez a face
nua de alguém.
Tive ternura e
aversão, mas continuei a monologar, me esquecendo por alguns
instantes dela. O menino não desistiu de mim, nem se dobrou a minha
indiferença. Era um filho da rua que resistia a um homem que não
estava num de seus melhores dias, sem saber quem era.
Não dei o que ele me
pediu, mas aquela voz falida me entrou pelos olhos. Fiquei
envergonhado porque estava sem dinheiro, fazendo-o esperar. Assim que
percebeu, saiu me olhando de soslaio, me achando estranho ou louco,
quem sabe. A minha estranheza tinha nome, idade, tamanho. Isso ele
nunca saberia. E a minha estranheza,
com
o passar dos dias, tomava outro rumo.
Assim que ele se foi,
eu também me fui.
8 de nov. de 2018
O autor fala de sua obra: O povo das águas
Como nasceu o livro O povo das águas?
O
livro O povo das águas simplesmente me veio, não como uma
inspiração divina, mas como uma releitura dos mitos e lendas que
povoaram a minha infância e a real situação do Rio São Francisco.
Vê-lo perecer pelo assoreamento é melancólico. Quando a ideia me
veio, pensei: como reagiria o povo do rio? Então, pensei numa
revolução. Pensei nos mitos e lendas como pessoas diferentes que,
por saberem o histórico de violência das pessoas preferiu um humano
para falar-lhes em seu nome.
Do que fala o
livro?
O livro O povo das águas conta a história de dois mundos: o
mundo do povo do rio, representado pelo conselho das águas presidido
pelo Nego d’Água na Pedra do Meio e o mundo humano, representado
pelo pescador Cíbar. Esses mundos se encontram quando o conselho
permite o encontro da Mãe d’Água com Cíbar. Esses mundos têm
situações de opressão semelhantes porque ambos dependem do Velho
Chico para sobreviverem. É claro que esse encontro causa espanto em
Cíbar, que logo se acostuma com seus novos parceiros de luta.
De
forma simplificada, o livro trata do folclore ribeirinho, da política
local, estadual e nacional, do Rio São Francisco e do assoreamento.
P.S.: Comentários sobre o livro e o primeiro capítulo estão disponíveis neste endereço: https://sites.google.com/view/opovodasaguas.
P.S.: Comentários sobre o livro e o primeiro capítulo estão disponíveis neste endereço: https://sites.google.com/view/opovodasaguas.
14 de out. de 2018
Feira Cultural em Porto Real do Colégio
Anita |
O autor visitou todas as salas
expositoras. A que mais chamou a atenção dele foi a sala que continha as obras
dos artistas colegienses, onde ele se incluía. Havia obras de Rôndone Ferreira,
Orlando Santos, Múcio Niemayer, Antônio Januário, Antônio Jorge Maia e Flauberto Soares. A disposição das obras chamava a atenção de quem
logo entrava na sala.
Para homenageá-lo, expuseram seus
livros numa mesa e transcreveram o poema A menina que passa. A aluna Anita era quem falava da
biografia de Ron. Na parte lateral esquerda da sala fizeram um painel grande com a frase
que Ron Perlim mais gosta: “Se eu não sonhar os meus sonhos, quem os sonhará
por mim”, onde outra aluna explicava para as pessoas que era preciso sonhar e
nunca desistir daquilo que se quer.
Anita explica quem é Ron Perlim |
11 de out. de 2018
Correios FM - Entrevista
Ron Perlim e Edy Almeida |
No dia 22 de setembro de 2017 o
escritor Ron Perlim esteve no estúdio da Correio FM entrevistado
por Edy Almeida sobre os livros O povo das
águas e Foi só um olhar.
6 de out. de 2018
Cinderela das cinzas
Como
naquela época não havia eletricidade, a menina vivia no fogão à
lenha e na lareira, dia e noite, limpando as cinzas deixadas pelo
fogo. É por isso que foi apelidada de Cinderela, nome que remete a
cinzas. Outro apelido era Gata Borralheira, porque ela parecia uma
gata, se metendo nos cantos da casa, fazendo limpeza, borrada de
cinzas.
CANTON, Katia. Era uma vez Perrault.
1ª ed. São Paulo: DCL, 2005. p. 63.
20 de set. de 2018
Jurado no Colégio NSG e Blogueiro da Aplacc
28.08.2018 - O escritor Ron Perlim se tornar blogueiro da Aplacc (Academia Penedense de Letras, Artes, Cultura e Ciências). Em seu blogue, foram publicadas duas crônicas e dois artigos de opinião. Eis os links:
4. Geração do grito.
31.08.2018 - A convite do Colégio Nossa Senhora das Graças, na cidade de Propriá/SE, o escritor participa como jurado do II Concurso Literário com o seguinte tema: Tricentenário da Paróquia de Santo Antônio em Propriá - trezentos anos de fé, História e Religiosidade. O Evento ocorreu no auditório daquela instituição.
Jurado - banca 04 |
Certificado de participação |
Geraçao do grito
Crianças e adolescentes
correm, gritam, gritam e gritam em frente da casa por pirraça. Na
maior algazarra, xingamentos e confusão entre eles; nos impedem de
ler, conversar e ouvir música.
Volta e meia comentava dentro
de casa:
— Que meninos chatos! Como
gritam! Acho que é de propósito que eles fazem isso.
— Parece que sim, respondeu
minha mulher do computador.
Cansado de pedir para que eles
brincassem sem fazer tanto barulho, fui surpreendido várias vezes
com boladas na porta e na garagem. Irritado, dei-lhes umas broncas,
fazendo-os se dispersarem. Mas eles voltavam no outro dia com ímpeto,
fazendo a minha vizinha da frente assistir à novela preferida no
quarto. Eu não iria me por de joelhos para eles.
Incomodado, não organizaria a
minha mudança. Então, dei-lhes novamente broncas e mais broncas até
que um deles arguiu, dizendo:
— A rua é pública.
Eu repliquei:
— É pública, mas vocês não
têm o direito de usar o espaço público para incomodar.
Ouvi vaias e porrotes.
No outro dia, no mesmo horário,
eles voltaram. Sem aguentar as bombas juninas fora de época, a
vizinha estourou: “Saiam da minha porta, se não, vou para o
promotor”.
A ameaça dela surtiu efeito.
Pouco a pouco eles se dispersaram.
Eles deram um tempo e quando
retornaram, vieram encapetados. É provável que vieram assim
motivados, até porque um deles disse em alto e bom som:
— Eu sou criança e o
Estatuto da Criança me protege.
Eu repliquei:
— O Estatuto protege a
criança e o adolescente, mas não manda vocês virem para a porta
das pessoas para fazerem bagunça. Só prá vocês saberem: eu tenho
três exemplares aqui. Quem de vocês querem um de presente?
Todos eles se calaram,
teimando, teimosos. Não tive alternativa a
não ser filmar, gravar, fotografar a rebeldia deles, fazer um
relatório e denunciá-los ao Conselho. Houve pais que esbravejaram,
aquietando-se depois.
Se fossem respeitosos não
precisariam de nenhum adulto dando palpite em suas criancices, muito
menos de um Conselho.
Fonte: https://blog.aplacc.org.br/ronperlim/2018/08/28/geracao-do-grito/. acesso em 20/07/2018.
29 de ago. de 2018
Jurupari ou Tupã?
Jurupari, o
senhor do culto mais vasto, comum a todas as tribos, filho e embaixador do Sol,
nascido de mulher sem contato masculino, reformador, de rito exigente e de
precauções misteriosas, foi depressa identificado como sendo o Diabo. Cinquenta
anos de catequese espalharam para Jurupari o renome satânico. Além das crianças ensinadas das escolas, os
catecúmenos, os índios de serviço, a população europeia, acordes em ver no
velho deus indiano uma grandeza infernal, a multidão dos mestiços, mamelucos,
curibocas, massa plástica, sugestionável e de imaginação ampla, divulgou o novo
papel de Jurupari. No século XVII já o Filho do Sol, o Dona dos Instrumentos, o
Senhor dos Segredos, evocado ao som dos maracás simbólicos, era, da cabeça aos
pés e definitivamente, o Diabo, o Cão, o Belzebu, o Satanás, o Demônio.
Achado o
inimigo, faltava o aliado. Ao mesmo tempo que o combate se dava aos seguidores
de Jurupari surgia um trabalho intenso e admirável para assimilação de um deus
ameraba nas condições de corresponder a noção católica do Deus-Pai, o Iavé dos
hebreus. Era preciso encontrar na teogonia ameríndia um ser incolor, sem cultos
e ritos que o tivessem comprometido às exigências teológicas, sem fazer mal nem
bem, infixável, informe, nebuloso, ignorado em sua doutrina, um legítimo “Deus
Desconhecido” dos gregos na decadência, esperando, nas alturas do infinito, a
voz de São Paulo para defini-lo e dizer-se embaixador de seu nome.
Os jesuítas
da catequese, todos os elementos religiosos do Brasil colonial, localizaram
esse Ser providencial para que o indígena o amasse e não fosse obrigado a
adorar um deus alienígena, em Tupi. Para o índio, Tupã começou a ter culto
prestigiado pela força dos brancos enquanto Jurupari era perseguido por todos
os meios e maneiras. O Pajé recuava batido e com ele a crença se dissolvia no
âmago das matas para conservar-se, até hoje, atestando sua espantosa vitalidade
espiritual. Tupã fez parte de todas as orações e aulas. O padre Manuel da
Nobrega, Anchieta, Aspilcueta Navarro, Abbville, Thevet, d’Evreux compõem
versos, catecismo, peças dramáticas, hinos, em louvor exclusivo de Tupã, Deus
verdadeiro, aparecido para contrapor-se ao falso Jurupari dos infernos e salvar
as almas para a eternidade paradisíaca.
Como
compreendia o indígena a Tupã, e como este se tornou Deus-Pai dos cristãos? A
impressão que me ficou de todas as leituras feitas nos documentos dos séculos
XVI e XVII, lendas e tradições indígenas, vocabulários e relatórios, é que Tupã
é unicamente um trabalho de adaptação da catequese. O Deus cristão tomou a
forma ou melhor, deu a forma a uma entidade que nunca possuíra significação
religiosa para nenhuma tribo do Brasil.
(...)
O grande
deus popular, deus intermediário, para os índios do Brasil era Jurupari que foi
crismado em Diabo, o Princípio do Mal. Tupã é uma criação erudita, europeia,
branca, artificial. Seu culto foi dirigido pelos padres da catequese. É o
Princípio do Bem. Nada mais lógico que essa tática dos jesuítas, por todos os
títulos admiráveis, em frente ao absorvedor prestígio de Jurupari.
Tupã, deus
que fala pelos trovões e vê pelo caracol dos relâmpagos e raios, é tão
literário como o Júpiter-tonante, acastelador de nuvens e marido de Juno.
(...)
Era Tupã o
que os folcloristas ingleses chamam Nature
God, personificação abstrata de forças cósmicas, com atuação meteórica, sem
interferência na vida sublunar. Pertencia à fase inicial das religiões. Era um
elemento que Durkheim dizia préanimiste.
Lévi-Bruhl escreve que, nas sociedades primitivas, todas as funções de relação
são funções de presença de seres sobrenaturais. E como toda participação tende
a ser representada nos fenômenos meteorológicos, que deviam impressionar
maiormente aos indígenas, era natural que certos seres fossem apontados como
dirigindo o trovão, o raio, o relâmpago e a chuva (...).
CASCUDO,
Luís da Câmara. Geografia dos Mitos
Brasileiros. 2ª ed. São Paulo: Global, 2002. pp. 58-60.
2 de ago. de 2018
Como escreve Ron Perlim
by José Nunes
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Eu me acordo às seis. Tomo suco de um limão com água morna. Depois, vou ler. Feita a leitura, tomo café e em seguida vou trabalhar.
Em que hora do dia você sente que trabalha melhor? Você tem algum ritual de preparação para a escrita?
Não precisarei qual é a melhor hora para mim. A escrita em mim pode vir a qualquer hora. É espontânea. Se necessário, paro o que estou fazendo para anotar o que me vem à cabeça.
Você escreve um pouco todos os dias ou em períodos concentrados? Você tem uma meta de escrita diária?
Quando jovem na escrita, eu escrevia todos os dias. Isso acumulou muita matéria bruta. Então, eu tenho muita matéria bruta para ser trabalhada. Quase todos os dias eu reviso esse material, mas isso não me impede de escrever novos textos. Atualmente reviso um novo livro para a Penalux.
Como é o seu processo de escrita? Uma vez que você compilou notas suficientes, é difícil começar? Como você se move da pesquisa para a escrita?
A escrita em mim surge primeiro com um tema ou uma ideia. Isso acontece por meio de percepções num diálogo, numa leitura, numa observação das coisas e outros recursos. Exemplo disso é o livro A menina das queimadas, nascido de alguns diálogos com a minha sogra. Já o livro O povo das águas simplesmente me veio e eu o tomei para mim. Há textos que ficam prontos, exigindo apenas pesquisas pontuais. Há outros que necessitam de uma pesquisa mais aprofundada. Eu nunca pesquiso primeiro para depois escrever. Eu escrevo primeiro. Depois, pesquiso.
Como você lida com as travas da escrita, como a procrastinação, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
A procrastinação é um processo natural na escrita. O que não pode é o prolongamento excessivo dela. Com projetos longos ou curtos, sempre bate a ansiedade. Ela é mais intensa quando começamos na estrada literária. Com o tempo, isso se incorpora de forma natural em nosso cotidiano. Para concluir meus projetos, me mantenho sereno e objetivo.
Quantas vezes você revisa seus textos antes de sentir que eles estão prontos? Você mostra seus trabalhos para outras pessoas antes de publicá-los?
Não sei dizer a quantidade, mas são muitas. Para mim, revisar é editar o texto e isso dá um trabalho danado. Quando eu parto para essa parte, me lembro de Graciliano e o conselho que ele deixou quando compara o ato da escrita com ofício das lavadeiras em Alagoas. Quem primeiro lê meus textos é a minha esposa ou alguém da revisão gramatical.
Como é sua relação com a tecnologia? Você escreve seus primeiros rascunhos à mão ou no computador?
Como disse, a minha cabeça não tem hora para a escrita. Se surgir uma ideia para um livro, eu anoto onde estiver e me utilizo dos recursos viáveis, desde um pedaço de papel, papelão, passando por guardanapos, celulares, tabletes, notebooks etc. Eu não permito que a ideia vá embora. Outro dia eu estava no carro. Aí, me veio a ideia de escrever uma crônica. Sem papel por perto, o que fiz? Peguei a caneta e rabisquei a ideia principal no para-sol.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativo?
As minhas ideias são releituras das leituras do mundo e dos livros. O único hábito que tenho, se isso pode ser chamado de hábito, é estar atento ao ir e vir das coisas, das pessoas, dos animais e através disso percebê-las.
O que você acha que mudou no seu processo de escrita ao longo dos anos?
Eu iniciei a minha escrita em cadernos escolares. Quando eu observo o que escrevia com o que escrevo atualmente, vejo um abismo muito grande e o amadurecimento da minha escrita, fruto de muita prática.
O que você diria a si mesmo se pudesse voltar à escrita de seus primeiros textos?
Diria o seguinte: não se envergonhe de seus textos primeiros, como fazem muitos escritores, afinal de contas, era uma criança que engatinhava com as palavras e brincava com elas. Saiba que escrever não é um dom.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou?
Montar uma biblioteca na cidade onde nasci e através dela promover a importância da leitura e dos livros para a vida das pessoas, especificamente das crianças. Nosso país é carente de boas bibliotecas, principalmente nas cidadezinhas.
Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Um livro que fale do homem e a sua condição como espécie doente e atrasada.
Fonte: https://comoeuescrevo.com/ron-perlim/. Acesso em 02 de agosto de 2018.
26 de jul. de 2018
Projeto O povo das águas
A professora Rose Nunes trabalha na Escola Joaquim Gonçalves de Sá, numa comunidade quilombola no povoado Caraíbas, em Canhoba, Sergipe. Durante dois meses, o livro O povo das águas foi incluído no projeto de leitura daquela instituição. A cada semana era lido um capítulo do livro. Após a leitura, havia a produção de textos ou algo concreto. Os alunos ficaram encantados e desse encantamento surgiu o projeto O povo das águas e a vontade de conhecerem a Pedra do Meio, como já foi publicado neste blogue. Os detalhes desse projeto podem ser ouvido neste vídeo da professora Rose e algumas fotos.
15 de jul. de 2018
As acácias me traíram
Acácia Rosa |
Tem dias que a gente precisa de ar fresco e um lugar bacana
para ir. Foi num desses que eu larguei tudo e fui à Praça Assis, por ser ampla
e ter muitas acácias. Eu adoro as acácias!
O perfume delas me trouxe
alguém das profundezas. Alguém que eu achava que havia esquecido. Aída pululava
os meus pensamentos e eu não queria viver aquele drama que se arrastou em mim
por algum tempo. Seria eu uma cobaia nas mãos de Cupido? Não sei dizer. Sei que
o perfume das acácias me traiu, trazendo-me lembranças que não queria.
Ali, na praça, atordoado, não me livrei de mim. Me debatia,
buscava freneticamente algo que me socorresse daquelas lembranças que causavam
calafrios. Eu não queria reviver tudo de novo.
Tudo isso foi um engodo da alma porque o olfato me fez pensar
o tempo todo em Aída contra a minha vontade. Alojou-se, tomou posse. Nem mesmo as
garotas com quem saí, delicadas e suaves, foram suficientes para impedir a fúria
com que as lembranças me viam.
Cansado das acácias, fui andando, fui estranho. Era preciso
se recompor, era preciso se reorganizar.
Mais adiante, longe delas, eu me recolhi de tal forma que o
tempo foi indo, sem que eu percebesse. Quando me dei conta, pés e mãos viam de
todas as partes.
Naquele momento, ninguém
apareceu para quebrar a minha dor. Até porque na dor já não há mais alento. Naquele dia eu deixei
as acácias e não tinha mais certeza se as queria por perto.
26 de jun. de 2018
A maior tragédia do homem moderno
Paulo Freire |
Uma
das grandes, se não a maior, tragédia do homem moderno, está em que é hoje
dominado pela força dos mitos e comandado pela publicidade organizada,
ideológica ou não, e por isso vem renunciando cada vez, sem o saber, à sua
capacidade de decidir. Vem sendo expulso da órbita das decisões. As tarefas de
seu tempo não são captadas pelo homem simples, mas a ele apresentadas por uma
“elite” que as interpreta e lhas entrega em forma de receita, de prescrição a
ser seguida. E, quando julga que se salva seguindo as prescrições, afoga-se no
anonimato nivelador da massificação, sem esperança e sem fé, domesticado e
acomodado: já não é sujeito. Rebaixa-se a puro objeto.
FREIRE, Paulo. Educação como prática da liberdade, pág. 51. Rio
de Janeiro, Paz e Terra, 2000.
17 de jun. de 2018
Alunos conhecem a Pedra do Meio
Pedra do Meio no fundo |
Os alunos da Escola Municipal Joaquim Gonçalves
de Sá, localizada no povoado Caraíbas na cidade de Canhoba, Sergipe,
leram o livro O povo das águas. Encantados
com a história, eles queriam conhecer a Pedra do Meio, onde era presidido o
Conselho do povo do rio. Para isso, eles foram à cidade de Porto Real do
Colégio acompanhado da professora Rose Nunes e da diretora escolar Anacler e
lá, estiveram com o escritor Ron Perlim que os conduziu
pela Pça. Rosita de Góes Monteiro até chegarem no Porto da Delegacia para
avistarem a Pedra. Desceram até às margens do rio e contemplaram o estado
melancólico em que se encontra o nosso amado Chico. O momento foi oportuno para
falar mais sobre as personagens do livro e mostrar-lhes a importância da
preservação do meio ambiente.
Um dos alunos disse: "Queria ver
o Nego d'Água e a Alma Penada". O escritor Ron Perlim respondeu: "Se
você tivesse trazido o livro, você e seus coleguinhas viriam o Nego d´Água e os
demais seres".
A visita não foi mais intensa
porque não havia pescadores disponíveis para conduzir os alunos, a professora e
o escritor até a Pedra do Meio.
28 de mai. de 2018
As bacantes
Dionísio ou Baco |
Na
região da Mesopotâmia, tivemos as Sáceas, festas inspiradas nas licenciosidades
sexuais e na inversão de papéis entre servos e senhores. Na Grécia, foi
oficializado, no século VII a.C., o culto a Dionísio. Deus da
transformação e da metamorfose, Dionísio era comemorado no início da primavera,
quando sua imagem chegava a Atenas transportada por embarcações com rodas, com
mulheres e homens nus em seu interior. Em terra, a procissão era acompanhada
por um cortejo de ninfas e saudada em êxtase pela multidão de mascarados. A
festa acabava no templo sagrado de Lenaion, onde se consumava a união de
Dionísio com os fiéis, gerando abundância e fertilidade. Em 379 a. C., foram as
bacanais romanas que marcaram época, data em que o culto a Dionísio chegava a
Roma com o nome de Baco. As bacantes, aos gritos de [1]Evoi! Evoi!, por
ocasião das orgias em homenagem a Evan, alcunha de Baco, cometeram tantos
excessos que as Bacanais foram proibidas em 186 a. C. pelo Senado Romano. Como
a proibição não vingou por muito tempo, as Bacanais voltaram com mais vigor
ainda no tempo do império.
SILVA, René Marc da Costa et. all. Cultura Popular e Educação. Salto para o Futuro. TV Escola. SEED. MEC, Brasília, 2008. p. 96
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