Utopia a covardia

Outro dia conversava tranquilamente com algumas pessoas sobre o atual modo de se fazer política, como o sistema é perverso e como as pessoas estão vulneráveis a ele.

Neste colóquio, expus que a mudança na escolha dos empregados eletivos só seria possível se os eleitores começassem a vê-los como tais e não como investidores, comerciantes. Para isso acontecer era necessário que o combate ao comércio eleitoral não ficasse retido nas crônicas, muitas vezes a serviço de proveito próprio, nem no período eleitoral. Esse combate deveria ser todos os dias. Mas a minha exposição sofreu resistência por parte delas. Notei que elas estavam acostumadas a situação e davam a impressão de não querer mudanças. Isso era evidente quando diziam: “A política é assim mesmo. O que é que a pode fazer? Não tem jeito não. O povo só vota em quem dar alguma coisa”.

Fiz de conta que não as ouvi e insisti que a mudança era possível se houvesse empenho de cada um dos que discordam dessa prática, organizando-se, aprofundando-se nas questões políticas e tentando combater veementemente a compra e venda de voto. Umas olharam para as outras, o mau juízo se instalou entre elas e uníssonas concordaram que o sistema é assim mesmo, dando como encerrada aquela conversa.

Por alguns momentos silenciaram, mas as caras se retorciam achando que as minhas ideias de uma reeducação política eram inviáveis. Quando não tiveram mais o que argumentar, disseram:

— Você é um sonhador. Um utópico. Parece que quer mudar o mundo imudável. Você não estar vendo que o sistema é assim mesmo. O povo só vota em quem dar alguma coisa. Pouquíssimos são aqueles que votam pensando num todo. Se candidate prá você ver como é! O povo só vota em quem dar alguma coisa.
Olhei para cada uma delas. Depois de alguns segundos disse-lhes:

— Prefiro que digam que sou um sonhador porque reconhecem a minha esperança nas pessoas. Prefiro que digam que sou utópico porque sabem que não sou covarde, não me dobro, não me curvo a este sistema vil e mesquinho. Ao menos não acovardo as minhas falanges quando ponho nas páginas as minhas opiniões, não as reprimo ante os canalhas, ladinos que se aproveitam da pobreza de uns e da fraqueza de outros ditos “esclarecidos”, “cultos”, que passivamente não reagem contra esta prática maldita que só tem causado miséria e dor. Antes, compreendem a situação e quando tem oportunidade, tiram proveito dela. Quando estão insatisfeitos com esta ou aquela administração jogam a culpa para o povo simples. Preferem a mancebia da impiedade.

Depois da minha fala não existiram outras, até porque elas estavam aborrecidas. Levantei-me, as cumprimentei e sai caminhando suavemente pelas ruas.

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