Este texto de
Graciliano não poderia ficar fora do marcador
Jovem Autor, deste blog. Por isso, eu reproduzo aqui:
Carta de Graciliano Ramos
para a irmã Marili: duro e valioso conselho a quem escrever.
Rio, 23 de novembro de 1949.
Marili: mando-lhe alguns
números do jornal que publicou o seu conto. Retardei a publicação: andei muito
ocupado estive alguns dias de cama, a cabeça rebentada, sem poder ler. Quando
me levantei, pedi a Ricardo que datilografasse a Mariana e dei-a ao Álvaro
Lins. Não quis metê-la numa revista: essas revistinhas vagabundas inutilizam um
principiante. Mariana saiu num suplemento que a recomenda. Veja a companhia. Há
uns cretinos, mas há sujeitos importantes. Adiante. Aqui em casa gostaram muito
do conto, foram excessivos. Não vou tão longe. Achei-o apresentável, mas, em
vez de elogiá-lo, acho melhor exibir os defeitos dele. Julgo que você entrou
num mau caminho. Expôs uma criatura simples, que lava roupa e faz renda, com as
complicações interiores de menina habituada aos romances e ao colégio. As
caboclas da nossa terra são meio selvagens, quase inteiramente selvagens. Como
pode você adivinhar o que se passa na alma delas? Você não bate bilros nem lava
roupas. Só conseguimos deitar no papel os nossos sentimentos, a nossa vida.
Arte é sangue, é carne. Além disso não há nada. As nossas personagens são
pedaços de nós mesmos, só podemos expor o que somos. E você não é Mariana, não
é da classe dela. Fique na sua classe, apresente-se como é, nua, sem ocultar
nada. Arte é isso. A técnica é necessária, é claro. Mas se lhe faltar técnica,
seja ao menos sincera. Diga o que é, mostre o que é. Você tem experiência e
está na idade de começar. A literatura é uma horrível profissão, em que só
podemos principiar tarde; indispensável muita observação. Precocidade em
literatura é impossível: isto não é música, não temos gênios de dez anos. Você
teve um colégio, trabalhou, observou, deve ter se amolado em excesso. Por que
não se fixa aí, não tenta um livro sério, onde ponha as suas ilusões e os seus
desenganos? Em Mariana você mostrou umas coisinhas suas. Mas – repito – você
não é Mariana. E – com o perdão da palavra – essas mijadas curtas não adiantam.
Revele-se toda. A sua personagem deve ser você mesma. Adeus, querida Marili.
Muitos abraços para você.
Graciliano.
Você com certeza acha
difícil ler isso. Estou escrevendo sentado num banco, no fundo da livraria, muita
gente em redor me chateando.