12 de jul. de 2015

Céu de caibros


O rádio toca. As pessoas conversam distraidamente. Uma lagartixa tomou para si a parede e se confundiu com ela, hipnotizando um mosquito. Lá fora os carros passam com estupidez. É Domingo.

A cozinheira está pondo o jantar. Todos se reúnem em torno da mesa. Valores góticos e contemporâneos se colidem, seguidos de ofensas. Do lado do pote uma formiga bebe água. O nariz do gato é róseo. Em meio à confusão, ele fica grilado em nós.

Sem causa, elas brigam, irritam-se. As formigas se cumprimentam. A aranha lança sua rede. Pescará o quê? Um mosquito, uma mosca perdida na noite. Não sei. Sei que a rede posta entre um caibro e uma ripa pesca os desencontros que saiam de cada língua.

Um barulho freia os ânimos. Os olhos diminuíram de raiva. Todos foram à porta. Era uma carreata politica descendo pela avenida. Voltaram. Ficaram soltos na sala.

Em seguida, cada qual saiu aos seus hábitos. Mônica foi para a cozinha. Papai foi assistir ao jornal. Eu liguei o som do quarto e por lá mesmo me entreti até o sono.
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2 de jul. de 2015

Quando um rascunho vira literatura


Por Simone Magno em Pequena Morte.
 
Pergunto a uma poeta que acaba de lançar seu segundo livro o quanto ela escreve por mês. “Geralmente um poema. Às vezes, nenhum”, me responde. Fico refletindo sobre a necessidade de cada escritor na hora de colocar no papel o que lhe vem à cabeça. Porque as ideias vêm e vão a todo tempo, basta respirar. Uma frase surge do nada, uma imagem que encadeia toda uma história, uma lembrança que insiste em voltar. Mas não basta separar o joio do trigo; é preciso saber o melhor momento de colocar no papel e perceber quando de fato o que não passa de palavras rabiscadas ao vento se transforma em literatura.

Quando isso acontece? Quando os versos se juntam e passam a se denominar um poema? Quando um texto ganha voz e passa a ser uma narrativa literária? Antes do editor, a palavra é do autor, que tem o poder de definir sua matéria prima.

Alguns escrevem e não mexem mais – acreditam que se veio assim, está pronto. Outros terminam um romance – ou um poema, ou um conto – e deixam “na gaveta”, imagem meramente metafórica com a tecnologia de hoje, mas que antigamente significava que o texto manuscrito ficava mesmo guardado, à chave, de preferência, por uns meses, até que o autor se dispusesse a dar uma olhada no texto, com um certo distanciamento, e ter certeza de que ali havia mesmo algo de qualidade. Hoje a gaveta virou um arquivo no computador, mas as questões continuam as mesmas: isso é bom? Eu me orgulho de ter escrito essas palavras? Devo publicar? E a pergunta principal: alguém vai se interessar? Duas respostas positivas bastam para a próxima etapa: mostrar.

Um dos maiores escritores brasileiros trabalhava em um romance durante uma viagem de navio, e para não perder o que havia feito, enviava os originais diariamente para a filha via fax, quando o aparelho ainda se popularizava. Mandava tantas páginas que a companhia marítima achou aquilo esquisito e quis saber se havia algum problema com o passageiro. Além de um leitor, o escritor também buscava segurança. Imagino o pânico de um escritor nos tempos pré-carbono, pré-xerox, em que os originais eram realmente únicos, manuscritos.

Atualmente, no entanto, estas etapas muitas vezes são puladas por conta da internet, já que há livros de contos que começaram em posts de blogs, e romances também saídos da web, em capítulos, como nos antigos folhetins dos tempos vitorianos. Até os 140 caracteres do twitter podem ser literatura. Por que não? Mas isso é assunto para outra coluna. A ideia é falar aqui neste espaço sobre modos de escrever, ler, perceber e curtir os livros – que podem estar no papel ou não.

contato: simone.magno@gmail.com

 
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20 de jun. de 2015

A arte de ler


 
Por Braulio Tavares

A primeira metade do trabalho do escritor é a leitura. Ninguém é escritor sem ler. É um vestíbulo que todo escritor tem de atravessar. Digo essa obviedade gigantesca porque toda hora estou conversando com pessoas que querem ser escritores mas dizem que “não tem tempo para ler”, ou então folheia nas livrarias coisas escritas por pessoas que, na melhor das hipóteses, leem livros de receitas, guias de viagem e colunas sociais.
Ler variadamente. Escrever literatura exige que se leia muita literatura, não somente no sentido de grande quantidade. Romances, crônicas, poesias: se você lê com frequência e prazer todos estes gêneros, são maiores as chances de que consiga escrever bem cada um deles.

(...)

Revista Língua Portuguesa. Ano 9. Nº 102. Abril de 2014. pp. 32-33.
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31 de mai. de 2015

Como evitar a escrita didática e estereotipada?



Nenhum texto é inocente e livre de ideologia, mas o escritor precisa privilegiar o trabalho com a palavra, o modo de contar. A literatura pode humanizar as pessoas e fazê-las pensar, questionar, sonhar, imaginar, ter mais criatividade, sentir incômodo, ver que a vida é trágica, ficar mais consciente, não se conformar com a realidade e reinventar o mundo (Grifo meu). Isso não se consegue com textos cheios de estereótipos, lições de moral, didatismo e comportamentos politicamente corretos. É preciso que o texto tenha vozes, lacunas e vazios para o leitor preencher. O leitor é coautor. É ele quem vai terminar a história ou o poema, a partir das tragédias e alegrias da sua vida. Surpreender o leitor, romper suas expectativas, revolucionar um pouco a sua vida, tudo isso é arte literária. As armadilhas moram na linguagem pobre (a simplicidade é uma arte, mas a pobreza não!), no lugar-comum e na intenção clara de agradar, seguindo modismos.


REZENDE, Stella Maris. Língua Portuguesa. Ano 9 – Número 110 – Dezembro de 2014. P. 13.
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