11 de abr. de 2010

Miolo, que não é de pote


No fundo da consciência, onde se esconde a traça dos pensamentos; onde fica retido o mofo de armário e se esconde a hipocrisia, chora uma criança perdida de medo, em meio a uma luz baça e comprida.

No fundo da consciência muita coisa acontece sem que ninguém veja. Lá, no miolo insondável o mundo gira elétrico, a mente flui como num eclipse.


Leia Mais ►

4 de abr. de 2010

Andando de lancha

Vinha tranquilamente pela Fernandes de Lima, na minha pequena Colégio. Encontrei alguns amigos sob a copa de um pé-de-matafome próximo ao porto das lanchas. Eles conversavam sobre o descaso das administrações das cidadezinhas e para justificarem os erros dessa ou daquela administração, melhor dizendo, da corrupção citaram esta frase desbotada: “O erro vem lá de cima”. Em seguida deram por exemplo Arruda (que não serve para remédio), o mensalão, o Congresso e outras coisas. Eu calado estava, calado permaneci.
A lancha começou a buzinar. Dei até logo, desci a rampa do porto, entrei em uma delas. A pouca distância uma música dita de “Axé” tomava conta daquele espaço. Mas apesar do sol escaldante, a brisa tocava com suavidade a minha pele, fazendo-me pensar a respeito do sistema político, principalmente nas cidadezinhas.
O vai e vem de mandatos não se renovam. As praças continuam as mesmas. Servidores não são valorizados. Quando o gestor é cínico, os médicos atendem os pacientes, transcrevendo a receita em pedaços de folhas A4, as perspectivas dos jovens nem a dos adultos se renovam. As únicas coisas que permanecem são os sentimentos vis, torpes e fúteis dessas administrações, a ganância, o conluio com magistrados medíocres.
O tó, tó, tó da lancha não me roubava às ideias, as reflexões. Afinal de constas, este é um ano eleitoral e de canalhice; até porque os comerciantes deixarão as suas tribunas, fazendo as suas ínfimas visitas as cidadezinhas comprando cabos eleitorais e usando um artifício sem graça e pálido, que é a maldita das promessas.
A minha frente alguém esculhambava a administração local. Coisa que não serve. Imaginei: “Denunciar é um dever de todo cidadão e exigir da Câmara, apesar dos receios. O judiciário inspira dúvidas. A única e sábia solução é no período eleitoral. Aí, dar-se início a um fatigante, mesquinho comércio que mobiliza milhões e muita gente. É aí onde tudo vai se repetir: as reclamações do povo, as esculhambações, os jovens calados, os puxa-sacos vibrando.
Desci da lancha na cidade vizinha com uma certeza única que carrego faz anos: enquanto o voto for tratado como mercadoria, sempre teremos leis péssimas, o SUS um matadouro, um Judiciário “harmônico” e um povo sem esperança...
Leia Mais ►

24 de mar. de 2010

O livro


Houve um tempo em que eu reclinava a minha cabeça sobre ti. Nos momentos de frio, você cobria com as suas páginas sábias e ardentes meu peito. Quando tinha sede, bebia da sua fonte e dela me banhava para me purificar das impurezas do coração. Com os mais puros e singelos fonemas, vestia a minha nudez. As tuas páginas registram o embrião do mundo e dos homens. Mesmo assim, elas se entrelaçam e neste labirinto as interrogações surgem. Apesar desses minotauros, eu as degusto tranquilamente sob uma árvore. Você é o único de braços abertos no móvel de casa.
Meus Cadernos, 1997.
Leia Mais ►

17 de mar. de 2010

Horasão


Nesse exato momento a horasão do relógio não impede que alguém passe à noite com o estômago vazio.

Nesse instante de segundos, alguém está no relento namorando o frio colchão da rua.

Nesse exato momento o relógio não se cansa das preces. Preces de morte, de loucura, de estrelas fugitivas...

Nesse instante alguém não percebe a folha caindo, nem uma criança, um velhinho ou uma perdida bala.

Nesses momentos, instantes nus de uma horasão sem cor; o fiel cristão do tempo, da vida ora alegre, ora triste.

Hora tão banal, hora tão medíocre.

E a horasão do relógio não recomendou a alma do morto a Deus.

Meus cadernos, 1997.
Leia Mais ►