Era
visível no olho esquerdo uma remela esverdeada. A face, abatida, expunha a dor,
a tristeza contida no peito. O lado direito perdera o movimento por causa de um
derrame. Não costurava mais, não lavava a louça, nem punha na mesa o café para
os filhos e para o esposo. Aquilo traspassava a sua alma e a reduzia a
infelicidade. As lágrimas, companheiras de sempre, não mediam esforços para
torná-la ridícula para os incompreensivos. E não eram só as lágrimas que entrou
em sua vida, mas os antidepressivos, a impaciência e o murmúrio. Mas, em meio a
essa "tempestade", sobrevivia com poucas e nobres lembranças que não
voltam mais.
18 de ago. de 2008
8 de ago. de 2008
Abrir e fechar o dia
Hoje fui
acometido por uma insônia miserável. Volvia-se sobre o colchão e os meus
olhos viam pontinhos luminosos na escuridão. Os grilos se foram, os
pardais pipilavam e abriam o dia. Um montão deles era um coral. Eu não
fiquei para trás, abri também o dia com as orelhas e da minha cama vi um
dia diferente com nuvens espessas e paradas.
Os primeiros raios de ressaca surgindo com uma preguiça própria do céu.
Olhos começaram a se abrir, mãos começaram a lavar os rostos. Os
primeiros movimentos saem na rua, algumas portas se acordam e para a
rua. Os pardais se espalham em vôos diferentes e buscam na variedade do
cardápio o dia. Saem assim como o homem para a vida. Mas, eu fico
coberto com o lençol e os meus olhos estão pesados. Um friozinho está
nos cantos do meu quarto, menino sapeca, sorrateiro.
LIMA, Ronaldo Pereira et all. Ritmo Vital: contos, poesias e crônicas. São Paulo, Edições AG, 2007.
A menina que passa
Lá vai a menina que passa
E os meus olhos que pregam uma peça em frente da praça
E os meus olhos que pregam uma peça em frente da praça
Lá vai todo o encanto
Que é livre quando canto ao meu amor
E todos olham na praça
Que eu, passo a passo, vou com pressa.
Que é livre quando canto ao meu amor
E todos olham na praça
Que eu, passo a passo, vou com pressa.
Lá vão os meus pensamentos
Todo mágico, todo humano
Que foge e se abafa de tanto lamento
Todo mágico, todo humano
Que foge e se abafa de tanto lamento
Lá vai o meu sorriso com o vento
Com cara de bento
E uma angústia por dentro
Com cara de bento
E uma angústia por dentro
Lá vai, lá vai e as minhas lágrimas
Não vão, e você menina, lá vai.
Não vão, e você menina, lá vai.
Lá vou eu,
Com a menina que passa,
As mãos que passam e os pensamentos que montam uma peça
No meio da praça.
Com a menina que passa,
As mãos que passam e os pensamentos que montam uma peça
No meio da praça.
Não me peça menina que passa, a minha face
E todos te olham e me olham.
Mas entendam: ela é a menina que passa com muita pressa pela praça
E todos te olham e me olham.
Mas entendam: ela é a menina que passa com muita pressa pela praça
(LIMA, Ronaldo Pereira de et all. O lugar da poesia e da prosa: Antologia, pp. 22-23. Rio de Janeiro: Taba Cultural, 2008).
25 de jul. de 2008
Céu plúmbeo
Desci a rampa do porto das lanchas. Dentro de uma delas, olhei no visor do celular. Estava atrasada cinco minutos. Foi dado partida no motor. A lancha saiu de ré, auxiliada por um caibro roliço.
Diante de mim, vestido à Caruaru, um jovem de uns vinte e cinco anos tentava nos esconder a face e os olhos sob a aba do boné branco. Era como se ele estivesse nos escondendo algo, receando que a gente desconfiasse ou descobrisse.
Diante de mim, vestido à Caruaru, um jovem de uns vinte e cinco anos tentava nos esconder a face e os olhos sob a aba do boné branco. Era como se ele estivesse nos escondendo algo, receando que a gente desconfiasse ou descobrisse.
A brisa suave e fria batia nossas faces e as águas, as poucas e cansadas águas do pobre Chico receberam as primeiras gotas do céu. O vento, malinando sobre a face das águas, formavam pequenas marés. A lancha se balançou e uma senhora, no fundo, estava aflita. Próximo a ponte, apesar da distância, notávamos a imensa ilha com currais que servem para pequenas criações de gado bovino. Ilha esta que antes não existia, mas que agora faz parte da vida dos ribeirinhos. Os assoreamentos surgem como um câncer.
E a lancha, sem saber, transportava a tristeza dos meus olhos para o outro lado do rio, onde iríamos parar num outro porto que nos receberia com um bueiro de esgoto.
Assinar:
Postagens
(
Atom
)