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Mostrando postagens com o rótulo Crônicas

Dez bons conselhos de meu pai para cidadãos honestos e prestantes

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Meu pai nunca me deu estes conselhos da forma sistematizada que está aí. Mas deu todos. Inclusive mostrando como era que se fazia. Acho que ele não se incomodaria por eu passá-los adiante, pois ele também tinha muita consciência política. 1.        Não seja tutelado Não permita que as pessoas resolvam as coisas por você, por mais que o problema seja chato de enfrentar. Não finja que acredita em nada do que não acredita, não deixe que lhe imponham uma opinião que você está vendo que não pode ser sua. 2.        Não seja colonizado Tenha orgulho de sua herença, não seja subserviente com o estrangeiro, não se ache inferior. Como o que gostar, fale como gostar, vista-se como gostar - seja como seu povo, não seja macaco. 3.        Não seja calado Seja calado só por educação, até o ponto em que isto não o prejudicar. Se prejudicar, só cale a boca quando deixar de prejudicar. Não seja insolente e não tolere a insolência. 4.        Não seja ignorante Não ser ignorante é um

É em casa que se aprende a barganhar

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“O candidato foi à casa do meu avô. Meu avô pediu certa quantia em dinheiro. Ele disse que voltaria, mas meu avô esperou, esperou, esperou e ele não apareceu. O outro candidato foi conversar com meu avô, pediu um prazo para arrumar o dinheiro. Ele arrumou o dinheiro e todo mundo lá em casa vai votar nele. Ele é quem vai ganhar a eleição”. A citação acima mencionada compõe uma minúscula parte de um gigante texto do fazer político deste país. Nela, nota-se três gerações: a do avô, a dos pais da criança e a da própria criança que fala naturalmente da prática do comércio eleitoral com entusiasmo, torcendo pelo candidato que “(...) arrumou o dinheiro (...)”. Faz algum tempo que escrevo a respeito desse comércio e sempre procuro descrevê-lo com base em experiências. Não quero nelas fazer simples descrições, mas propor reflexões. O eleitor brasileiro tornou-se dualista e objeto de disputas ferrenhas de políticos profissionais. A fala acima deixa explícito a prática da corrupç

As opiniões do jornais são as suas opiniões?

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As opiniões dele são as opiniões dos jornais (grifo meu) . Como, porém, essas opiniões variam, padre Silvestre, impossibilitado de admitir coisas contraditórias, lê apenas as folhas da oposição. Acredita nelas. Mas experimenta às vezes dúvidas. Elas juram que os homens do governo são malandros, e ele conhece alguns respeitáveis. Isso prejudica as convicções que a letra impressa lhe dá. Necessitando acomodar as suas observações com as afirmações alheias, acha que os políticos, individualmente, são criaturas como as outras, mas em conjunto são uns malfeitores. RAMOS, Graciliano. São Bernardo. Rio de Janeiro: Record, 2008. p.150.

Finalmente deixaste o debruço

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Da janela, você olha a relva brilhar na praça. Sem se cansar, observa as flores do pé-de-matafome tremularem. Mas se surpreende quando um beija-flor vai em cada flor do hibisco. Elas, avermelhadas e sorridentes, recebem com alegria aqueles beijos. Beijos que serão levados para outras bandas. E para completar, a claridade da luz ilumina tudo, até o jardineiro lá na ponta da praça. Ainda na janela, pés vêm, mãos vão e você continua inerte. Saber o que se passa contigo é impossível. Já dizia Coélet: "(...) há tempo para todo propósito debaixo do céu". Parece que entendeste o que ele quis dizer. Finalmente deixaste o debruço.

As redes sociais e o fazer político

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Texto publicado originalmente no blogue  O Eleitoral   em fevereiro de 2012, revisto e atualizado.  Parte da sociedade se mobiliza através das redes sociais para tentar combater a corrupção, angariando assinaturas de adesão a esses tipos de movimentos. Alegam que não encabeçam nenhuma sigla partidária, dão sugestões de projetos de Lei de iniciativa popular. Essas iniciativas são nobres, merecem apoio e respeito; mas uma reflexão mais apurada. A Constituição Federal, no parágrafo único do seu primeiro artigo, diz que “todo poder emana do povo (...)”. O poder, a que se refere o constituinte é o de eleger e ser eleito por meio de eleições diretas ou indiretas. Acontece que esse poder, outorgado ao povo, estar corrompido pelo comércio eleitoral  (ver livro Viu o home?). Sendo assim, vereadores, deputados, senadores, prefeitos, governadores, presidentes não recebem o diploma de posse porque eles querem ou porque possua algum privilégio, alguma proposta de governo; mas porque

O demônio da ignorância e da inveja

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Hoje é 25 de fevereiro de 2003. A minha noite não foi uma das melhores e eu cheguei à empresa cheio de olheiras. Assim que pus os pés na sala e antes de sentar-me, minhas orelhas captaram palavras desprezíveis e ínfimas. Não era para menos, pois, elas vieram de um tolo, desses que se sente gente. Observei firmemente a face daquela criatura portando algumas cicatrizes na face e não me intimidei. A maldade brilhava em seus olhos e aquele filhote da intolerância falava e falava. Nem os seus o suportavam, mas o queria por perto para a coisa suja. Enquanto ele falava, eu conhecia a inveja de perto, viva, esquelética, movendo-se de um lado para o outro. Naquele momento, pensei: “a inveja é o sentimento mais mesquinho que eu conheci. Despreza o próximo porque sente-se desprezada. Filha da maldade, parente da fofoca e amante da irracionalidade; a inveja corrompe, ofende e cria rixa entre os seres”.   Fiquei estarrecido ao vê-la me rondar. Confesso que contive o nervoso sem que al

Clara e o cais

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Eu me levantei do batente de casa , peguei o boné, b otei-o na cabeça e s aí. Quando ia na calçada da vizinha, ouvi uma voz fraca perdida e os fonemas se que espalhavam a o vento. Era Clara que evocava o meu nome . Assim que se aproximou , cumprimentou-me com um sorriso. A boca, a vermelha da de batom e as pestanas arqueadas, estavam abertas para a vida e o amor . Peguei em sua mão. Era cetinosa. Convidei-a para tomar sorvete. Ela topou, sem objeção. Depois do sorvete, ela se ia rebolando. Os seios, túmidos, arrancavam olhares dos curiosos. Faceira, ia solta pela rua. Os cílios dos curiosos só pararam de pousar depois que ela sumiu completamente na esquina da rua. E da esquina ela foi na ponta dos pés toda clara para a beira do cais. Ela gostava de ver as ondas. Neste dia, Clara saiu para o amor e não para as ondas . O amor que fica no cais. Mas nesta noite a bela se apagou. Ninguém sabe quem roubou a sua luz . Lembro-me da doçura de Clara quando mexia com os meus

Assim que ele se foi, eu também me fui

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Uma criança de cabelos crespos, sem camisa e de short preto sacudiu o meu braço, me pediu moedas, fazendo-me abrir os olhos. Aquela criança barriguda, de braços finos, descalça e com uma remela no olho direito; fez-me perceber pela primeira vez a face nua de alguém. Tive ternura e aversão, mas continuei a monologar, me esquecendo por alguns instantes dela. O menino não desistiu de mim, nem se dobrou a minha indiferença. Era um filho da rua que resistia a um homem que não estava num de seus melhores dias, sem saber quem era. Não dei o que ele me pediu, mas aquela voz falida me entrou pelos olhos. Fiquei envergonhado porque estava sem dinheiro, fazendo-o esperar. Assim que percebeu, saiu me olhando de soslaio, me achando estranho ou louco, quem sabe. A minha estranheza tinha nome, idade, tamanho. Isso ele nunca saberia. E a minha estranheza, com o passar dos dias, tomava outro rumo. Assim que ele se foi, eu também me fui.

Geraçao do grito

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Crianças e adolescentes correm, gritam, gritam e gritam em frente da casa por pirraça. Na maior algazarra, xingamentos e confusão entre eles; nos impedem de ler, conversar e ouvir música. Volta e meia comentava dentro de casa: — Que meninos chatos! Como gritam! Acho que é de propósito que eles fazem isso. — Parece que sim, respondeu minha mulher do computador. Cansado de pedir para que eles brincassem sem fazer tanto barulho, fui surpreendido várias vezes com boladas na porta e na garagem. Irritado, dei-lhes umas broncas, fazendo-os se dispersarem. Mas eles voltavam no outro dia com ímpeto, fazendo a minha vizinha da frente assistir à novela preferida no quarto. Eu não iria me por de joelhos para eles. Incomodado, não organizaria a minha mudança. Então, dei-lhes novamente broncas e mais broncas até que um deles arguiu, dizendo: — A rua é pública. Eu repliquei: — É pública, mas vocês não têm o direito de usar o espaço público para incomodar. Ouvi vaias

As acácias me traíram

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Acácia Rosa Tem dias que a gente precisa de ar fresco e um lugar bacana para ir. Foi num desses que eu larguei tudo e fui à Praça Assis, por ser ampla e ter muitas acácias. Eu adoro as acácias! O perfume delas me trouxe alguém das profundezas. Alguém que eu achava que havia esquecido. Aída pululava os meus pensamentos e eu não queria viver aquele drama que se arrastou em mim por algum tempo. Seria eu uma cobaia nas mãos de Cupido? Não sei dizer. Sei que o perfume das acácias me traiu, trazendo-me lembranças que não queria. Ali, na praça, atordoado, não me livrei de mim. Me debatia, buscava freneticamente algo que me socorresse daquelas lembranças que causavam calafrios.   Eu não queria reviver tudo de novo. Tudo isso foi um engodo da alma porque o olfato me fez pensar o tempo todo em Aída contra a minha vontade. Alojou-se, tomou posse. Nem mesmo as garotas com quem saí, delicadas e suaves, foram suficientes para impedir a fúria com que as lembranças me viam. Cansado da

Tem que ter uma ruptura

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Ele estava em minha frente, sentado, e com um livro a sua esquerda. Como a mente não aprecia a solidão, foi logo conversando uma coisa ali, outra acolá. Nisso, tocou em política. Política é um assunto que ultimamente muita gente não tá sabendo conversar, outras estão enojadas e mais outras preferem não opinar. Iniciou a sua fala pregando a ruptura, ou seja, regime militar. Para ele seria o ideal para a ocasião; mas sem convicção formada. Era mais um dizendo as coisas pela força da revolta. Quando ele repousou a língua, eu tomei a palavra e lhe disse: Não acho que a ruptura seja uma boa ideia. Ele me interrompeu. A sua língua repousou novamente. Ai eu continuei: Quero dizer a você porque discordo, não relatando fatos históricos ; mas o que vivi quando criança. Quando eu e os amigos brinc á va mos na rua, tinha um delegado que, quando apontava na esquina, a gente já sabia: tinha que pega r a bola e corr er . Sabe por quê? Porque e ra costum e dele cortar ao meio as nossa

Partido sem sigla

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O meu partido é aquele que combate a fome e a miséria. Que olha para os abandonados e excluídos. Que tem o olhar atento para as minorias, os injustiçados. O meu partido não tem nome, nem sigla porque ele percebe o outro, não defende heróis, nem privilégios. O meu partido não aceita que uma classe subjugue a outra para pisotear. Para mim o que importa é o outro, enxergá-lo, vê-lo não como inimigo; mas como alguém que está perto de mim, como se fosse o meu próximo. E se algum tolo ler isso e me taxar de marxista, comunista, socialista, esquerdopata; que assim seja.

Bença

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A gente vinha de Aracaju. Eu estava cansado, mas o jeito agradável de minha mulher me mantinha atento ao ir e vir da rodovia. Nos aproximamos de uma cidade, cujo nome não me recordo. A primeira coisa que avistamos após a lombada foi um aglomerado de barracas disformes. A frente delas os afrodescendentes vendiam milho cozido e assado.  Minha mulher me olhou e disse:  — Me deu uma vontade de comer milho! Eu estacionei o carro e logo fomos atendidos por uma senhora simpática que nos chamou de “bença”. Essa era a maneira de ela se aproximar dos clientes. Eu era uma bença e todos os que compravam a ela eram também . Enquanto eu pensava nisso, minha mulher gracejava com a vendedora. Esta, graciosa que era, estava de olho na freguesia e, para não perder tempo foi direta: — Bença, faço três espigas por cinco reais. Minha mulher não fez objeção. Aceitou a proposta dela. Quando estávamos prestes para irmos embora, ela fez uma pausa e disse: — Minha ben ça, volt

O relógio

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O relógio, suspenso na parede, era fiel nas suas longas e largas horasão. De ponteiros abertos, me fazia lembrar os cristãos quando oram ou rezam. Sem saber, media as minhas lembranças que iam surgindo do esquecimento. Pudesse está na parede, na estante ou em qualquer lugar, lá estava eu e ele e algum pensamento perdido, me deixando taciturno e nauseabundo. Não quis ser isso, nem estar com isso. Preferi ouvir da janela o ciciar da cigarra enquanto o céu azul recaia sobre o meu rosto. Ela dizia, não só a mim, mas a todos que estavam por perto que o verão se aproximava. Só que isso lhe custava a própria vida, ou seja, estaria pocada em alguma parte da estrada no outro dia . Fui ate à calçada e tive que abaixar os olhos, evitando os feixes luminosos do sol. Eles me fizeram lembrar de O Quinze e de Vidas Secas . O relógio não me saía da cabeça e as lembranças faziam morada em mim. Vieram soltas, uma a uma. Boas ou ruins, eram coloridas, cheias de vida. Ainda na porta, ve