Clara e o cais

Eu me levantei do batente de casa, peguei o boné, botei-o na cabeça e saí. Quando ia na calçada da vizinha, ouvi uma voz fraca perdida e os fonemas se que espalhavam ao vento.
Era Clara que evocava o meu nome. Assim que se aproximou, cumprimentou-me com um sorriso. A boca, avermelhada de batom e as pestanas arqueadas, estavam abertas para a vida e o amor. Peguei em sua mão. Era cetinosa. Convidei-a para tomar sorvete. Ela topou, sem objeção.
Depois do sorvete, ela se ia rebolando. Os seios, túmidos, arrancavam olhares dos curiosos. Faceira, ia solta pela rua. Os cílios dos curiosos só pararam de pousar depois que ela sumiu completamente na esquina da rua.
E da esquina ela foi na ponta dos pés toda clara para a beira do cais. Ela gostava de ver as ondas. Neste dia, Clara saiu para o amor e não para as ondas. O amor que fica no cais. Mas nesta noite a bela se apagou. Ninguém sabe quem roubou a sua luz.
Lembro-me da doçura de Clara quando mexia com os meus olhos e meus pulsos. Quando aquela boca cetinosa se abria para a minha, avermelhada, dona de mim. Ela, a quem eu dedicava meu pequeno amor, agora, estava em alguma seção policial levada pelo vento.

2 Comentários

  1. Parabéns, Romperlim! Com tais descrições, torna-se impossível não pincelar na mente, um quadro que causaria admiração nos mais refinados apreciadores de obras primas.

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  2. Isso mesmo Erasmo. As palavras, quando postas nos seus lugares, tornam-se interessantes. Obrigado pelo comentário.

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