De pais e professores todas as crianças estão cheias


Você tem alguma receita de escrever para jovens? Acredita que um autor precisa ser dotado de um talento específico para produzir bons textos infanto-juvenis?


Acredito que sim, mas não sei qual será. Tenho impressão de que a primeira coisa deve ser o cara tirar a máscara professoral e paternalista. De pais e professores todas as crianças estão cheias, por mais que amem uns e outros. Sobretudo, não deve bancar “o mais velho”, sabedor e ensinador de coisas. Dos mais velhos geralmente os mais novos andam cheios também. Os mais velhos, mesmo ainda jovens, sempre se deram o luxo de desprezar as gerações que os precederam. Bobagem, é claro. Todos se esquecem de que infância e mocidade são acidentes passageiros, que o tempo rapidamente apaga. E que a vantagem não está em ser jovem (fenômeno comum a 80% da população mundial), mas em sobreviver e, consequentemente, envelhecer. (Você já viu que eu procuro puxar a sardinha para o meu lado...) Mas por essa fase e esse preconceito da juventude, que eu também tive no devido tempo, todos nós passamos. É natural que a criança, logo que começa a se libertar das dependências e tiranias imediatas, olhe com desconfiança a autoridade, a coerção, a “mais-velhice”, o “não faça isso” exasperante que vem de todos os lados. O primeiro som humano que chega ao ouvido infantil, quando aquela coisinha maravilhosa ainda não entende palavra nenhuma (apenas barulho de amor, é claro...), é uma palavra curta e incisiva, muito parecida em quase todas as línguas: não. O livro infantil deve deixar a criança no à-vontade da não-interferência e do não-temor dos mais velhos. Nem máscaras, nem pose, nem dedo apontado. Não o “não faça”. E muito menos o “faça”. Se ela tem que aprender (e precisa), faça com que ela aprenda com quem conclui ou descobre por si mesmo. As lições da vida e das histórias (ou estórias, parece que não há mais jeito...) devem ser aprendidas por quem vive (sem ouvir o “eu não tinha dito?”) e por quem lê sem que perceba ter sido aquela a intenção ostensiva ou disfarçada do autor. O autor (penso eu, sei lá!) tem que se sentir criança como os leitores que procura. Pertencer, quanto possível, ao seu mundo maravilhoso e transitório, muito superior ao dos mais velhos, que no fundo são uns chatos. E por falar em chatos, fazer possível para não chatear o leitor.

STEEN, Edla Van. Viver & Escrever: volume 1 - 2 ed. Porto Alegre, RS: L&PM, 2008. p.34.

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