O primeiro gole


Por que, meu Deus, eu tenho que sofrer tanto assim nessa vida? Fui um bom filho. Sempre cumpri com os afazeres que o meu pai mandava e minha mãe. Por que hoje passo por tanto aperto? Sou um homem já idoso. O cansaço tá comigo e não me larga. Não tenho prazer nenhum na vida. Será que tô pagando pelos meus pecados, sofrendo e gastando o resto dos meus dias num barquinho; pegando uma bobagem aqui outro ali, sol, chuva, chuva, sol pra vê se eu arrumo um bocado e uns trocados? Não tenho nenhuma aposentadura. Se não fosse a ajuda do Governo e dos meus filhos que faz um bico aqui outro ali o que seria de mim? O que ganhei nesta vida? Só doença. Só fiz trabalhar feito um condenado. Pra quê? Não sei mais olhar pra os meus filhos. Nunca dei nada a eles, além de sofrimento e apertos. A minha mulher anda me rejeitando. Só anda com a cara feia. Quando eu vou querer um negocinho com ela, ela me dá às costas. Será que ela tá me traindo?”.
 
Esses conflitos perturbavam Artur. Sem olhar para a mulher, pegou o boné e saiu. Para piorar a situação, encontrou Cícero na rua e aceitou o convite deste para ir ao Bar do Primeiro Gole. Por lá conheceu outras histórias iguais ou semelhantes as suas e se acostumou aquele ambiente. Não havia um dia sequer que não chegasse cheirando a pinga. E, o negocinho que ele tanto queria, não teve mais como reclamá-lo. Teria que se contentar com a masturbação.

Vencido, percebeu que nada era como antes. Cabisbaixo, pôs os pés fora do batente, reviu amigos, foi ao bar e gastou todo o dinheiro do aluguel que furtou. Passou a manhã e a tarde nesta vida. Ao por do sol, resolveu se banhar no rio São Francisco.

Ao mergulhar, ouvia uma voz serena e suave chamar por seu nome. Sem perceber a correnteza, ele foi à procura dela e afogou-se numa panela d’água. O corpo nunca foi encontrado.

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