Ruas vazias e solitárias


Vestiu a bermuda surrada e nem se deu conta. A mãe balbuciou alguma coisa, mas ele meneou a cabeça e saiu. Lá fora, as ruas estavam vazias e solitárias para os seus pés. Durante o trajeto, pensava: 
— Amei-a sem limites. Doei-me sem interesses pessoais. Ocupei-me com os problemas dela, vivendo-os como se fossem meus. Mas, o que me restou? Restou-me a humilhação, o cansaço e a chacota. Além disso, mamãe fica no pé, azucrinando a minha cabeça para eu não cair mais numa daquelas.
Caminhando pelas ruas daquela pequena cidade não surgiu um ouvido, uma língua, um olhar terno, meigo que lhe servisse de bálsamo. A alma, movendo-se de amor e para o amor, encharcava-se de angústia. Muitas vezes sentia-se perdido e tinha a sensação de estranhamento de si e das coisas.
Alguém o chama. Ele ergue a cabeça, reconhece a turma que estava na porta de um mercadinho e se dirige para lá. Ali, a mesmice parara e nela sua integridade fora violada, sua solidão, seu solteirismo posto em dúvida. Então, na sua serena aparência, elástica compreensão, saiu tranquilamente com o olhar voltado para o chão, a procura de algo que os seus interlocutores não veem.
Convencido de que aquelas pessoas eram tolas, mas nem por isso as julgavam, pensou:
— A vida neste lugar tornou-se um ciclo: a violação da vida alheia, da solidão, da opinião política; além dos gracejos inconvenientes, recheados de críticas e desdém na variedade de risos. Eles são bobos. Não entendem a vida. Prendem-se demais em coisas fúteis, medíocres. São tontos! Não percebem, não vivem e; vivem dos outros, para os outros. Não ousam nem explorar as profundezas das ideias, dos pensamentos, das emoções. A maioria deles vivem no abismo, na escuridão das suas próprias angústias.
Houve um tempo que essas manias dos seus conhecidos o perturbavam, deixando-o sem direção, sem rumo e muitas vezes, quando deles se afastavam, os olhos rasos de lágrimas. Só que ele esvaziou tudo isso de si quando percebeu a tolice de cada um deles e a não culpabilidade. Afinal, era apenas uma reprodução de hábitos; maldosos, mas um hábito.

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